sexta-feira, 9 de março de 2012

EXPRESSÃO DIGITAL- Por Rita Figueiredo


                                         (Meu ingresso na era da Informática)
Em pleno Século XXI, você ainda escreve à mão?! À máquina?! - inconformados com o meu primitivismo, cobravam os amigos que conheciam o gosto que tenho pela arte da escrita, ao verem crescer o calo no dedo médio de minha mão direita, ou ao lerem meus textos datilografados.
Arrepiado, meu espírito selvagem reagia a tal insinuação, temendo que ela pudesse acabar me convencendo a fazer uso dessa máquina que ele tinha como maldita, chamada computador, por considerá-la efeito e causa da louca aceleração da mente do homem moderno...
Pense na maravilha que seria - meus amigos insistiam - você se ver livre de rabiscos, setas, corretivos, tesoura, cola, xérox...
Resisti enquanto pude. O meu primeiro livro foi escrito inteirinho à mão, para depois ser datilografado, de forma que pudesse ficar inteligível aos profissionais da editoração.
Pura magia! - era a exclamação de meu espírito selvagem diante das manobras do digitador na época da revisão do referido livro, ao vê-lo substituir, eliminar, transferir, inserir letras, frases, parágrafos, páginas inteiras, modificar o tipo, o tamanho das fontes, e tudo indo se acomodar direitinho, para frente e para trás, obedientemente...
Depois de pronto, admirei aquele trabalho primoroso e pensei cá comigo: Vê lá se tenho capacidade de aprender essa parafernália?!
Meu espírito estremeceu. Como todo bom selvagem, bastou ser provocado para topar o desafio:
“Editor de Texto”, foi o curso que escolhi ao me matricular na escola de Informática. Quem se divertia mesmo era a professora, ora diante de minhas exclamações: Que coisa!; Isso é incrível!; Ele faz isso também?!; Ai, que bonitinho!; ora diante de meus apavoramentos: Corre aqui!; De onde apareceu isto?!; Por que ficou tudo preto?!; Cadê o texto daqui?!; ou diante de minhas impropriedades na utilização da terminologia, as quais ela prontamente corrigia: “Não é bater, é digitar; Não é apagar, é deletar.; Não é escurecer, é marcar; Não é gravar, é salvar”...enquanto voavam as duas horas de aula: acabou?!
- Agora você pode começar a praticar em casa - aconselhou a professora. - Escolha alguns trechos de jornal, revistas ou livros e vá exercitando.
O notebook que ganhara de meu marido como presente de aniversário, ainda estava lá, fechadinho dentro da caixa. Faltava-me a coragem de abri-lo. Sobrava-me o medo de tocar nele e avariá-lo (ou ser avariada por ele...). Até que um dia, meti o bicho numa sacola e levei para que professora me ensinasse a ligá-lo.
Nem bem cheguei em casa, Start, só eu e ele. Ai! O coração selvagem mais acelerado que a mente do homem moderno... Ué?! Cadê aquela barra?
- Alô! Desculpe, professora, de te ligar a esta hora da noite, mas aqui no meu computador está faltando um monte de coisas que aquele lá da escola tem!
- Onde você está?
- Em casa.
- Não!  Em que programa você está no seu PC?
- PC???
- Seu computador!
- Ah... Deixa eu ver. Estou no Word Pad.
- Ele não tem o Microsoft Word instalado?
- O que é isso?
Bem, depois deste, muitos outros diálogos surrealistas se seguiram, todos frutos de meus pedidos de ajuda para as práticas domiciliares, iniciadas com o experimento dos recursos, apenas em frases simples. Além da professora, prontos foram os socorros que recebi de filho, prima, amigos... Ah, os amigos!, os tais “inconformados com o meu primitivismo”, quantas vezes estive a ponto de amaldiçoá-los pela enrascada a que me induziram. Enfrentar as excentricidades deste aparelho, com sua insistente resistência a meu comando, quase me fez acreditar que ele tinha vida própria.
Só depois de alguns meses é que fui atender à sugestão dada pela professora, de selecionar textos para exercitar em casa. Mas não me atraía em nada reproduzir trechos de jornal, revistas ou livros. O espírito selvagem carecia de algo mais motivador...
A pasta! Foi aí que me lembrei da pasta, onde eu costumava arquivar vários escritos de minha autoria, desde a adolescência. Ou seja, todos que consegui guardar, pois muitos se extraviaram, pelas mais variadas causas. Eram mais de setenta, em verso e prosa, distribuídos em cadernos, folhas avulsas, antigas, recentes, manuscritas, datilografadas, de vários formatos, de todos os tempos...
Empolguei-me com a idéia de re-contactar aqueles estimados textos que contavam, cada um a seu modo, um pouco de minha própria história... Exercitar a digitação com eles tornou-se uma tarefa agradável e envolvente. Diverti-me em experimentar os recursos gráficos que a (agora reconhecidamente bendita) máquina me oferecia. Sentia-me orgulhosa em estar aprendendo como escolher fontes, estilos, tamanhos, alinhar, editar, exibir, inserir, formatar, configurar, visualizar, salvar, arquivar, imprimir, etc. Não tinha a menor preocupação em padronizar o trabalho. Muito pelo contrário: quanto mais variada ia ficando a estética dos textos, mais gostosa se tornava a brincadeira.
Simultaneamente ia revivendo cada momento de criação. Um mágico reencontro comigo mesma, nas várias etapas da vida... Ressurgiram emoções, pessoas, fatos que pela vida afora foram catalisadores de minha inspiração. Fui muitas vezes rigorosa ao julgar a qualidade literária de algumas peças, principalmente as mais antigas. Mesmo assim, digitava-as. Depois de impressas, elas adquiriam brilho, aquele próprio de quem vê dignificada a riqueza que traz em seu conteúdo, pelo realce que se deu a seu aspecto formal. Reconheci o dom que, com o passar do tempo, acabei adquirindo de brincar com as palavras, ora através de jogos puramente intelectuais, ora na também pura expressão dos sentimentos e sensações. Revisitei o colorido das criações, com sua alternância de tons: de intimistas a filosóficos; de românticos a bem-humorados.
Com tudo isso, acabei vivendo um duplo processo: o de resgate e revalorização de minha trajetória passada como escritora, e o de ingresso desta escritora na contemporânea era da Informática, para alegria e glória de meus amigos, os “inconformados...”, aos quais acabei por ficar muito grata.
Peguei gosto pela coisa. Fui me tornando craque no domínio do Word. Mas, cada vez que abria o PC, percebia que sua tela me olhava com um ar de estranheza, dando destaque ao ícone do Internet Explorer. Era um sinal de que ele, com seus infinitos recursos de informação e comunicação, sofria a terrível frustração de se ver utilizado apenas como uma máquina de escrever sofisticada. Para mim estava de bom tamanho. Internet, nem pensar! Algo aqui dentro me dizia pra ficar esperta, e manter distância daquela Rede enlouquecida que parecia ter sitiado o planeta. Coisas de espírito selvagem...
Foi um longo processo até eu me convencer de que a tal Rede era portadora de um outro mundo a ser cautelosamente desbravado por mim. Mas isto é uma outra história...

3 comentários:

  1. Adorei!
    É esse mesmo o objetivo do site/blog.
    Trocar experiências, contar "causos", compartilhar as vicissitudes desta nova geração de sessentonas à qual pertencemos.
    Abraços

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  2. Mamis ...
    A sua maneira de expressar ..., seja digital, emocional, intelectual ..., é sempre sensacional !!!
    Te amo
    Ni

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