(Meu ingresso na era
da Informática)
Em pleno Século XXI, você ainda
escreve à mão?! À máquina?! - inconformados com o meu primitivismo,
cobravam os amigos que conheciam o gosto que tenho pela arte da escrita, ao verem
crescer o calo no dedo médio de minha mão direita, ou ao lerem meus textos
datilografados.
Arrepiado,
meu espírito selvagem reagia a tal insinuação, temendo que ela pudesse acabar
me convencendo a fazer uso dessa máquina que ele tinha como maldita, chamada computador, por considerá-la efeito e causa da louca aceleração da
mente do homem moderno...
Pense na maravilha que seria - meus
amigos insistiam - você se ver livre de
rabiscos, setas, corretivos, tesoura, cola, xérox...
Resisti
enquanto pude. O meu primeiro livro foi escrito inteirinho à mão, para depois
ser datilografado, de forma que pudesse ficar inteligível aos profissionais da
editoração.
Pura magia! - era a exclamação de meu
espírito selvagem diante das manobras do digitador na época da revisão do
referido livro, ao vê-lo substituir, eliminar, transferir, inserir letras,
frases, parágrafos, páginas inteiras, modificar o tipo, o tamanho das fontes, e
tudo indo se acomodar direitinho, para frente e para trás, obedientemente...
Depois de
pronto, admirei aquele trabalho primoroso e pensei cá comigo: Vê lá se tenho capacidade de aprender essa
parafernália?!
Meu espírito
estremeceu. Como todo bom selvagem, bastou ser provocado para topar o desafio:
“Editor de
Texto”, foi o curso que escolhi ao me matricular na escola de Informática. Quem
se divertia mesmo era a professora, ora diante de minhas exclamações: Que coisa!; Isso é incrível!; Ele faz isso também?!; Ai, que bonitinho!;
ora diante de meus apavoramentos: Corre
aqui!; De onde apareceu isto?!; Por que ficou tudo preto?!; Cadê o texto
daqui?!; ou diante de minhas impropriedades na utilização da terminologia,
as quais ela prontamente corrigia: “Não é
bater, é digitar; Não é apagar, é deletar.; Não é escurecer, é marcar; Não é gravar, é salvar”...enquanto voavam as duas
horas de aula: Já acabou?!
- Agora você pode começar a praticar em casa
- aconselhou a professora. - Escolha
alguns trechos de jornal, revistas ou livros e vá exercitando.
O notebook
que ganhara de meu marido como presente de aniversário, ainda estava lá,
fechadinho dentro da caixa. Faltava-me a coragem de abri-lo. Sobrava-me o medo
de tocar nele e avariá-lo (ou ser avariada por ele...). Até que um dia, meti o
bicho numa sacola e levei para que professora me ensinasse a ligá-lo.
Nem bem
cheguei em casa, Start, só eu e ele. Ai! O coração selvagem mais
acelerado que a mente do homem moderno... Ué?!
Cadê aquela barra?
- Alô! Desculpe, professora, de te ligar a
esta hora da noite, mas aqui no meu computador está faltando um monte de coisas
que aquele lá da escola tem!
- Onde você está?
- Em casa.
- Não!
Em que programa você está no seu PC?
- PC???
- Seu computador!
- Ah... Deixa eu ver. Estou no Word Pad.
- Ele não tem o Microsoft Word instalado?
- O que é isso?
Bem, depois
deste, muitos outros diálogos surrealistas se seguiram, todos frutos de meus
pedidos de ajuda para as práticas domiciliares, iniciadas com o experimento dos
recursos, apenas em
frases simples. Além da professora, prontos foram os socorros
que recebi de filho, prima, amigos... Ah, os amigos!, os tais “inconformados com o meu primitivismo”,
quantas vezes estive a ponto de amaldiçoá-los pela enrascada a que me
induziram. Enfrentar as excentricidades deste aparelho, com sua insistente
resistência a meu comando, quase me fez acreditar que ele tinha vida própria.
Só depois de
alguns meses é que fui atender à sugestão dada pela professora, de selecionar
textos para exercitar em
casa. Mas não me atraía em nada reproduzir trechos de jornal,
revistas ou livros. O espírito selvagem carecia de algo mais motivador...
A pasta! Foi
aí que me lembrei da pasta, onde eu costumava arquivar vários escritos de minha
autoria, desde a adolescência. Ou seja, todos que consegui guardar, pois muitos
se extraviaram, pelas mais variadas causas. Eram mais de setenta, em verso e prosa,
distribuídos em cadernos, folhas avulsas, antigas, recentes, manuscritas,
datilografadas, de vários formatos, de todos os tempos...
Empolguei-me
com a idéia de re-contactar aqueles estimados textos que contavam, cada um a seu
modo, um pouco de minha própria história... Exercitar a digitação com eles
tornou-se uma tarefa agradável e envolvente. Diverti-me em experimentar os recursos
gráficos que a (agora reconhecidamente bendita)
máquina me oferecia. Sentia-me orgulhosa em estar aprendendo como escolher
fontes, estilos, tamanhos, alinhar, editar, exibir, inserir, formatar,
configurar, visualizar, salvar, arquivar, imprimir, etc. Não tinha a menor
preocupação em padronizar o trabalho. Muito pelo contrário: quanto mais variada
ia ficando a estética dos textos, mais gostosa se tornava a brincadeira.
Simultaneamente
ia revivendo cada momento de criação. Um mágico reencontro comigo mesma, nas
várias etapas da vida... Ressurgiram emoções, pessoas, fatos que pela vida
afora foram catalisadores de minha inspiração. Fui muitas vezes rigorosa ao
julgar a qualidade literária de algumas peças, principalmente as mais antigas.
Mesmo assim, digitava-as. Depois de impressas, elas adquiriam brilho, aquele
próprio de quem vê dignificada a riqueza que traz em seu conteúdo, pelo realce
que se deu a seu aspecto formal. Reconheci o dom que, com o passar do tempo,
acabei adquirindo de brincar com as palavras, ora através de jogos puramente
intelectuais, ora na também pura expressão dos sentimentos e sensações.
Revisitei o colorido das criações, com sua alternância de tons: de intimistas a
filosóficos; de românticos a bem-humorados.
Com tudo
isso, acabei vivendo um duplo processo: o de resgate e revalorização de minha
trajetória passada como escritora, e o de ingresso desta escritora na contemporânea
era da Informática, para alegria e glória de meus amigos, os “inconformados...”, aos quais acabei por
ficar muito grata.
Peguei gosto
pela coisa. Fui me tornando craque no domínio do Word. Mas, cada vez que abria
o PC, percebia que sua tela me olhava com um ar de estranheza, dando destaque
ao ícone do Internet Explorer. Era um
sinal de que ele, com seus infinitos recursos de informação e comunicação, sofria
a terrível frustração de se ver utilizado apenas como uma máquina de escrever sofisticada. Para mim estava de bom tamanho. Internet,
nem pensar! Algo aqui dentro me dizia pra ficar esperta, e manter distância daquela
Rede enlouquecida que parecia ter sitiado o planeta. Coisas de espírito
selvagem...
Foi um longo
processo até eu me convencer de que a tal Rede era portadora de um outro mundo
a ser cautelosamente desbravado por mim. Mas isto é uma outra história...
Adorei!
ResponderExcluirÉ esse mesmo o objetivo do site/blog.
Trocar experiências, contar "causos", compartilhar as vicissitudes desta nova geração de sessentonas à qual pertencemos.
Abraços
Mamis ...
ResponderExcluirA sua maneira de expressar ..., seja digital, emocional, intelectual ..., é sempre sensacional !!!
Te amo
Ni
Sua fiha tem razão Rita Figueiredo. Bjs.
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