sábado, 5 de novembro de 2016

Concurso Literário de Caraguatatuba- Premiação


CERIMÔNIA DE PREMIAÇÃO

Vencedores das três categorias

Regina Pompeu - 1o e 3o lugares - Categoria Conto

Maria Tereza Callefe - 1o lugar Categoria Crônica e Menção Honrosa Categoria Poesia
(com Ari e Regina)

1o lugar -Categoria Conto
A FLAUTA MÁGICA 
Ao ouvir os últimos acordes da música, Ele desligou o rádio, saiu, trancou a porta. Era hora de trabalhar! A estação ferroviária de Bruxelas fervia de gente naquela semana que antecedia a Olimpíada. Eles chegaram pela manhã, provenientes de Londres. Após anos e anos de trabalho, enfim a aposentadoria e a realização do sonho por tanto tempo acalentado: três meses na Europa, viagem cuidadosamente planejada em todos os detalhes, sempre priorizando o contato com a natureza, eventos culturais e locais históricos. Para evitar a confusão, calcularam minuciosamente o tempo para partir alguns dias antes dos jogos e, até aquele momento, com exceção do clima, tudo havia transcorrido conforme o planejado. Como em toda viagem, a bagagem já havia crescido e a alternativa mais prática era guardar uma das malas na estação durante a visita ao país, visto que de lá sairiam para Amsterdã. No meio de todo o movimento, não notaram que eram observados atentamente. Nem poderia ser diferente: Ele, o observador, tinha prática, era perito no ramo. Alto, magro, vestido de maneira sóbria, praticamente invisível. Poderia ficar horas a fio num determinado ponto, até escolher sua presa. Só então começava a agir, friamente. Logo identificou no Casal um alvo fácil: enquanto a mulher saía procurando algo, o homem vigiava as malas até a sua volta. Foi fácil segui-los e esperar por um momento de distração, que certamente aconteceria. O setor de guarda-bagagens estava vazio. O homem tirou a mochila das costas, as moedas da carteira e entregou para que a mulher as colocasse na fenda apropriada, deixou a mochila sobre a bagagem, virou e se abaixou para ajudá-la a colocar a mala no cofre. Perceberam, então, que, naqueles poucos segundos em que haviam ficado de costas, a mochila sumira. Ainda atônitos, dirigiram-se ao posto policial para registrar a ocorrência: tarefa difícil em que, após mais de uma hora de espera, se misturaram inglês, francês e muita mímica. Acompanharam o policial até o local do ocorrido e ficaram esperançosos ao ver que havia câmeras de vigilância. Enquanto isso, Ele saía tranquilamente da estação. Ao chegar a casa, ligou novamente o rádio, sempre sintonizado na emissora de clássicos, calmamente abriu a mochila e, entre outras coisas como uma filmadora, um Netbook, um telefone celular e um suéter verde novinho em folha, deparou com algo que fez com que seu duro coração batesse mais rapidamente: ingressos para a ópera no Festival de Verão de Salzburg e passagens de trem! Ópera: sua única paixão e fraqueza! Desde criança ouvia árias, trios, quartetos e coros no velho rádio; aliás, mais chiados do que propriamente música. Mesmo nas vezes em que esteve preso, sempre conseguia comprar, no mercado negro, aparelhos de som portáteis para ouvir suas canções favoritas, que sabia e cantava de cor. E se fosse? Parecia que o destino havia lhe dado um prêmio. Já conseguia se imaginar na plateia, usufruindo do prazer inédito de assistir a uma apresentação ao vivo: sentia a vibração das cordas, o rufar dos instrumentos de percussão, a doçura dos de sopro e, principalmente, a modulação dos barítonos, sopranos, contraltos, tenores e baixos. Como, em nome do perigo, renunciar a esse prazer único? Aliás, não era o perigo o tempero constante de sua vida? Quando teria outra oportunidade igual? Se é que algum dia esta se repetiria! As passagens e os ingressos queimavam em seu bolso... No dia seguinte, ainda aturdido, o Casal saiu para conhecer a cidade e se deparou com uma praça onde, numa enorme feira, havia algumas bancas com malas obviamente roubadas, visto que nem a etiqueta do aeroporto havia sido removida. Desvaneceram-se, assim, as últimas esperanças de qualquer recuperação. Desiludidos, seguiram viagem. O verão em Salzburg é uma festa. Sol, calor, lindos passeios dentro e fora da cidade. Mas, a maior atração é o Festival. Chega, enfim, o dia tão esperado! O Casal se dirige ao teatro, mas é barrado, pois a organização do evento já havia informado que, se os ingressos originais aparecessem, teriam precedência. Enquanto a mulher tenta desesperadamente convencer a organização do absurdo da situação, o homem chama a polícia, vislumbrando a oportunidade de desmascarar e prender o ladrão, além de recuperar os objetos roubados. A polícia chega, mas nada faz, pois o delito foi cometido em outro país e não existe registro de queixa a respeito do ocorrido. Lágrimas de raiva e impotência nublam sua visão, enquanto, pela porta entreaberta do auditório, o Casal observa a dupla sentada em seus lugares: Ele, com o lindo suéter verde, filma tudo à sua volta e sua parceira fala alegremente ao celular. Apagam-se as luzes, abrem-se as cortinas, ouvem-se os aplausos e os primeiros acordes da orquestra. Lentamente, a pujante melodia de Mozart invade o ambiente...Tem início a “Flauta Mágica”!

 3o lugar - Categoria Conto
 MEMÓRIAS DE UM PIANO
Não me lembro de como tudo começou, quando deixei de ser apenas um monte de Pinho de Riga, cordas, metais, marfim e me transformei no que sou.
Tenho vagas lembranças da viagem de navio num engradado, de moças com vestidos               esvoaçantes, saraus, melodias de amor. Todos me rodeavam, cantavam e vibravam com meu som.
Um dia, cheguei à casa humilde de uma jovem senhora muito bonita, que sonhara ser pianista e desejava que sua filha, de cerca de dez anos, realizasse seu sonho.
Sofri muito, pois logo percebi que a menina fugia de mim como o diabo da cruz.
Cada aula era um martírio; a cada visita, uma provação, pois era obrigada a executar músicas que nem estavam bem preparadas. Praticamente dormia em cima de mim na hora de estudar, e somente o fazia sob as ameaças da mãe.
Ela adorava música, mas gostava mesmo era de dançar!
Certa manhã, fui arrastado para o corredor, o corpo imóvel da jovem senhora ficou na sala, rodeado de velas e as pessoas, que eram muitas, choravam sem parar.
Ela foi retirada numa caixa de madeira muito parecida comigo e nunca mais voltou.
Fui, então, levado para a casa onde a menina passou a morar.
Agora, era a velha senhora que obrigava a coitada a estudar, para satisfazer o desejo da finada mãe.
A menina tornou-se moça e casou, me levando consigo.
Até que ela tentou recomeçar os estudos, mas logo nasceu uma criança, o casal se separou e lá fui eu carregado de novo para outra casa.
Depois disso, viajei para longe e, após algum tempo de uso, transcorreu um longo período de abandono.
Minhas cordas se romperam e minha voz ficou fraca e desafinada.
De vez em quando, a menina, agora adulta, aparecia e eu voltava a ser tocado, mas, logo em seguida era esquecido.
Há alguns anos, voltei a viajar, desta vez para o litoral.
A menina havia se tornado uma senhora de meia idade.
Passei por uma reforma e voltei a soar como antigamente.
O velho senhor vinha, de vez em quando, e cantava feliz ao som de minhas melodias. 
Mas, fui de novo abandonado e passei algum tempo sozinho, até que, na semana passada, tomei um baita susto:
Chegou um homem que começou a me desmontar inteirinho. Fiquei, literalmente, em pedaços!
Senti um calafrio, pensei que ia me tornar madeira de fogueira ou coisa parecida.
Mas, para minha surpresa, fui trazido, montado e afinado, para esta casa.
À tarde, a linda jovem dona da casa chega do trabalho e acaricia minhas teclas com muito carinho. Sinto que ela realmente me quer e ficou feliz em me receber!
Nos fins de semana a casa fica cheia de crianças e jovens e, enfim, (quem diria?), este velho de mais de oitenta anos, cansado de ser levado pra lá e pra cá, voltou a ser o centro das atenções!