quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

OS TRÊS CÃES MOSQUETEIROS - Por Regina Pompeu



                           
                      

Céu de um azul intenso, nenhuma nuvem, mar calmo, sol brilhante; mais parecia verão e não o último sábado do inverno.
Tudo indicava que o dia terminaria sem novidades.
No fim da tarde, as únicas atividades que fugiam da rotina eram os preparativos para a celebração de um casamento num dos quiosques da praia.
Durante o dia todo, um cachorro observava o movimento, entrava na água e latia para todas as embarcações que se aproximavam.
Quando saía, chacoalhava seu curto pelo marrom, espalhando água por todos os lados e deitava-se preguiçosamente em qualquer sombra que encontrasse, ganhando, também, pedaços de lanches dos observadores,  que se perguntavam se seu dono seria alguém que houvesse saído de barco e por quem ele estaria esperando.
De repente, numa de suas perseguições aquáticas, todos reparavam, aflitos, que nadava sem parar em direção ao alto mar.
Assustados, exclamavam:
- Ele vai se afogar! Não vai ter força para voltar!
A praia praticamente parou e entrou em desespero.
A jovem, apaixonada por animais, suplicava ao seu marido que fizesse alguma coisa.
Foi, então, que ele se dirigiu de stand-up até o cachorro, sob os olhares ansiosos e preocupados dos observadores na margem.
Todos e se perguntavam qual seria a reação do cachorro. “Será que, assustado vai morder seu salvador?  Fugirá para mais longe, impossibilitando o resgate?”
Suspense!!!!
Para alívio de todos,  o cão subiu na prancha e deitou-se calmamente, enquanto o rapaz remava de volta.
Aplausos!!!
O rapaz foi recebido com beijos pela esposa agradecida e orgulhosa.
A dona do quiosque comentou que, na verdade, são três cães que estão sempre juntos naquela praia.
Demonstrando impaciência para voltar a correr, o cão salvo foi mantido sob vigilância até recuperar as forças.
De repente, surgiram os outros dois e ele saiu em disparada ao seu encontro.
Os Três Cães Mosqueteiros continuaram suas correrias pela praia.

O Dartagnan desta história, o valente rapaz salvador, sua família e amigos começaram a recolher seus pertences para ir embora.

Ao longe, numa canoa, surgiu a noiva, recebida com aplausos pelos convidados e com um beijo pelo noivo, que a esperava na margem.
Os últimos raios de sol se despediam do dia quando começou a cerimônia do casamento...


domingo, 15 de dezembro de 2013

DUENDES? ... Quem sabe... Por Maria Tereza Callefe




caricatura, bebê, fada, Duende, sentando, M

Quando olhei para trás tive a mais grata emoção da minha vida. Eram muitos. Eram tantos que ninguém podia dizer de onde e como tinham aparecido ali.
Elevavam-se com tamanha facilidade no universo imenso de minha ternura que acabamos de repente nos envolvendo numa brincadeira que só  as criaturas leves e puras de coração podem fazê-lo. Na verdade me carregavam porque havia ainda em mim um peso oriundo de mágoas antigas, de esperanças não resolvidas, de sonhos a realizar.
Havia em seus semblantes tamanha alegria que iluminava os mais secretos e escuros desvãos de minha alma.
Flutuavam. Continuavam sem parar a dança do amanhecer nos corações há tanto tempo adormecidos.
Ah! meus pequeninos seres,.. quisera poder compartilhar de toda a alegria que nos rodeava. Quisera poder soltar a mais cristalina risada capaz de acordar todos os elementos. Quisera poder ouvir as palavras que só os corações cheios de ternura podem proferir.
Entretanto, muito lentamente, alguém que eu jamais havia visto em minha tão insignificante existência sussurrou-me mansamente: Vem, vem comigo.
Andamos sem os pequeninos seres por regiões que a linguagem humana jamais pôde descrever. Os pequeninos seres agora já não me acompanhavam .
De certo modo senti-me terrivelmente só. Era, entretanto, uma solidão misturada com espanto, curiosidade, desejo de algo novo que pudesse acontecer.
Vem – dizia-me a criatura. Vem, vou mostrar-te de onde vieram estes pequeninos seres.
Caminhei então mais firme. Dobrei inúmeras esquinas. Cada uma tinha um nome: a esquina da dúvida, a esquina do ceticismo, a esquina da mentira, a esquina do egoísmo, tantas, tantas que meus pés já não conseguiam vencer a distância.
À medida que ia dobrando essas esquinas, meu coração ia se modificando. Fui esquecendo mágoas, angústias, pesares e tantos males que nos sepultam dia a dia. Abriu-se aos poucos dentro de mim uma janela dourada. Espiei. Vi, surpresa, lá dentro, confortavelmente sentada numa almofada de sonho, uma linda criança, a criança que eu havia sido um dia quando tantas circunstâncias negativas ainda não me haviam escravizado.
-Olha – disse a criatura  que me acompanhava – os pequeninos seres vêm deste lugar abençoado onde o sonho derruba a mais terrível  realidade. Sonha , liberta-te e verás quantos pequeninos seres pulando e dançando à tua frente, feitos candeias a iluminar os teus dias cinzentos.
De repente, fiquei sozinha. Havia no ar alguma coisa misteriosa como nos dias em que  a flor mais esperada desabrocha, como nas noites em que a lua beija o barco abandonado na praia.
Uma paz indescritível caiu sobre meu velho coração.
Adormeci tranquila porque a antiga criança, muito, mas muito antiga, havia despertado para sempre dentro de mim.



segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

UMA SENHORA ALFORRIA ou O Presente Ausente - por Maria Soares



Mais um ano...
Ela, e seu perambular ansioso, perdida pelos corredores apinhados da loja de departamentos. Lista na mão. Charada na cabeça: O quê? Para quem? Déjà vu do dezembro passado, logo ali, bem ontem! Não, camisa eu já dei. Um livro, talvez. Será que este vestido vai servir? Quem sabe, aquele sapato?! Não, pra este, melhor comprar no shopping. Pra aquela, tem de ser na Feirinha. O brinquedinho da moda... e se ele já tiver? A lenga-lenga mental mixada com o som ambiente: replay de Jingle Bells em harpa paraguaia.
Ela, e sua companhia infalível e indesejada: a velha frustração pela promessa, mais uma vez, descumprida. Ano após ano: Para o Natal que veeem, não vou comprar presente pra ninguééém! E aí?! Vai ou não vai debandar da manada? Como era mesmo aquele papo de escapar-da-feitiçaria-criada-a-serviço-de-escusos-interesses-comerciais?! A resposta vem irônica, ali mesmo, no “espontâneo” Hou-hou-hou de um Papai Noel suado, importado, de saco cheio.
Ela, e seu insistente monólogo interior a justificar a falta de coragem: Como não presentear as criancinhas da família? Tadinhos! (mesmo com suas prateleirinhas entulhadinhas de brinquedinhos!). Como não presentear pai e mãe? Velhinhos! Como não presentear marido e filhos? Amadinhos! E genro? E nora? E sogra? E madrinha? E amigos? E empregados? E porteiros? Tudo gente tão boa! Ah, e ainda tem o amigo secreto!
Ela, e sua estranha alegria proporcionada pela compra dos presentes: o alívio de riscar cada nome da lista. Ufah! Um a menos pra pensar. Saudável isso?! À sua volta, o eco das inúmeras vozes na multidão: Comigo também é assim... Comigo também é assim... Comigo também... É assim... Sim... Todo mundo condicionado, a se deixar capturar pela mesma armadilha: quanto mais compra, melhor se sente.
Ela, e seu sofá do escritório, se enchendo de caixas, sacolas, pacotes, papel de presente, fitilhos, etiquetas De_Para_, cartões de Boas Festas, tudo classificado em lotes, conforme os grupos destinatários: noite de Natal / almoço de Natal / viagem / Correio / Ano Novo / outra viagem... Pronto! Acho que já está tudo aí. Nãão! Faltou a cabeleireira e a manicure!! E o cadeirante do sinaleiro em frente!! E o calendário Seicho-No-Ie pros meus irmãos!! Isso tem de acabar!  
Ela, e sua enorme satisfação em presentear cada um dos muitos entes queridos. Mas não assim, todos ao mesmo tempo, e com data pré-estipulada. O reconhecimento da obrigação “auto-imposta”, insidiosamente chipada pela mídia. A consciência desta escravidão é antiga. Mesmo assim, todo ano ela faz tudo sempre igual... Sempre angustiada em fazer; agora angustiada em ousar não fazer.
Ela, e sua velha lida, na preocupação com o julgamento do "Zotros", a lhe criar internamente suposições nada agradáveis: Minha filha não vai se conformar: "Nossa, mãe!! E eu que pensei que você nos dava os presentinhos com tanto gosto!!". Meus netinhos: "Cê não vai me dar nada nesse Natal, vó?!". "Olha, não pense que me esqueci da senhora, minha sogra. É que, neste ano, resolvi não dar presente pra ninguém.". Como não se importar com possíveis reações e rumores de censura? Como enfrentar o medo de que o presente ausente seja tomado por falta de amor?
Ela, e sua constante indagação sobre o porquê de existir tamanho mercantilismo, todo em função de uma festa de aniversário, na qual rarissimamente se menciona o nome do aniversariante. Não há Cristo que aguente ver nossas crianças apontarem quem é a celebridade mais ilustre do Natal... Ela, que nem cristã é, querendo que Ele volte, na esperança de ver se evaporar metade do comércio global, com a expulsão dos “vendilhões natalinos”...
Ela... Diante de todo esse desconforto, terá finalmente se convencido de que é chegado o tempo da “auto-alforria”? Como conseguirá? Por insurreição da “auto-escravizada”? Por concessão da “auto-escravizadora”? Ou por simples decisão? Simples? Independente da compreensão ou anuência de seja lá quem for? Que efeito terá essa mudança em sua vida?
Será que ela já sente à sua dianteira a garantia de uma força libertadora: "Venha, que nós lhe daremos apoio."?
Será que ela já percebe ao seu lado a cumplicidade: “Bem-vinda! Mais uma a escapar!”? Será que ela antevê a importância deste passo: "Se você for, nós vamos também!"? 

                                                                                                Curitiba, Primavera de 2013