segunda-feira, 12 de março de 2012

CAUSAS E CAUSOS DE UMA NADADORA MASTER- Por Rita Figueiredo

 No dia em que completei quarenta anos, parei em frente ao espelho e refleti por alguns instantes sobre o significado de já ter chegado à maturidade. A estabilidade da vida, os filhos criados... Qualquer um que observasse ia ter a nítida impressão de que tudo estava na mais perfeita ordem. Só que aqui dentro ainda ardia uma chama bem acesa, energia armazenada, rogando para ser vivida, aproveitada...
“Ando meio estagnada – concluí com certa tristeza. – Gostaria de fazer alguma coisa empolgante. Mas o quê?”
“Nada.” – foi a dura resposta que ouvi, como que me sentenciando. Baixei a cabeça para evitar a imagem no espelho de meus olhos marejados em lágrimas.
“Nada.” – A fria palavra concretizou-se em meus lábios e escorregou para o fundo de mim. Silêncio. De repente, ela retornou à consciência, como um eco, duplicada em volume e carregada de entusiasmo.
“NADA!” – Sentir alegria por não fazer nada poderia ser apropriado para uma pessoa acomodada. Nem de longe combinava comigo, que sempre fui uma mulher tão ativa. Que estranho! Seria já alguma manifestação da idade? Achei melhor deixar pra lá. Afinal, todo mundo tem seu minuto de insensatez...
Passados alguns dias, convidei uma amiga para almoçarmos fora. Ela disse que não podia ir, pois naquele horário fazia aula de natação. Fiquei surpresa:
“Não diga! E onde é que você nada?”
Antes que ela respondesse, veio a reação explosiva de quem matou a charada: “NADA! Agora entendi! Vou com você!”.
Quem não entendeu foi minha amiga ao me ver chegar à academia e já ir parando na secretaria a fim de me matricular numa turma de natação para principiantes.
Dali pra frente, a energia contida passou a ser entusiasticamente utilizada. Quanto mais eu praticava, mais reconhecia a importância deste que é considerado o esporte completo.
Depois de três anos, eu já havia colhido alguns frutos deste meu prazeroso empenho. Melhorei minha resistência; aumentei minha capacidade respiratória e circulatória; fortaleci meus músculos; alonguei meu corpo. Tudo isso sem falar nos benefícios de ordem energética, proporcionados pelo frequente contato com o elemento água, bem como os de ordem psicológica: com o corpo mais saudável, as endorfinas ativadas e, principalmente, a auto-superação, passei a gostar muito mais de mim.
Graças à dedicação de levar a sério os preciosos ensinamentos que recebi, um dia fui considerada apta a competir em um festival interno da academia. Fiquei apreensiva. Jamais havia participado de nenhum campeonato de qualquer que fosse a modalidade esportiva, naqueles 43 anos de existência! Quem diria?!
Assim foi que, em 28 de junho de 1989, ganhei a primeira medalha de toda minha vida. Não tinha nem daquelas de Honra ao Mérito que quase todo mundo recebia em meu tempo de criança. Eu havia vencido uma modesta prova de 25m crawl. Acho graça em lembrar que fiquei tão feliz que fui direto à casa de minha mãe contar-lhe de minha façanha, como uma adolescente.
De lá para cá, tenho sido crescentemente incentivada por professores, marido e filhos a participar de outros campeonatos. Além dos internos da Academia, vieram também os municipais, os estaduais, os regionais e os nacionais. Acabei por tornar-me uma atleta, nadadora master, que hoje tem a prateleira forrada de medalhas. Às vezes, me ponho a olhar tudo aquilo, mal acreditando que fui eu...
No entanto, a maior alegria não são exatamente as medalhas que me proporcionam. Qualquer nadador master sabe muito bem do que estou falando. Existem certas peculiaridades que distinguem nossas competições daquelas realizadas para jovens. Os campeonatos masters são, acima de tudo, verdadeiras festas. No lugar do arrebatamento competitivo típico da juventude, ali predomina a madura sabedoria do legítimo espírito esportivo. Para nós, o dito: “O importante não é vencer, é participar” vai muito além de ser um mero clichê, pois às vezes perder torna-se igualmente importante. É comum se ver o último colocado de uma prova ser mais aplaudido do que o primeiro. Chegou!
Cada nadador master é um exemplo, às vezes para os mais jovens, outras para os mais velhos. Quando vejo alguém como a Maria Lenk, com seus 75 anos, campeã mundial, dissipa-se aqui dentro a preocupação com minha velhice. Também tenho meus ídolos entre os mais jovens, alguns com idade para serem meus filhos. Durante as competições, observo atentamente sua técnica, seu estilo e agradeço pelas dicas que deles recebo. Da mesma forma, sinto-me gratificada quando outras nadadoras me tomam como exemplo.
Portanto, em nossos campeonatos, é possível se ver o filho, o pai, o avô, todo mundo junto, numa gostosa descontração. Diálogos inusitados, volta e meia, são ouvidos nos vestiários. Como este, entre a garotinha do lado de fora do chuveiro, com a toalha na mão, à espera da avó-atleta que acaba de cumprir sua última prova. – “Quantas medalhas, vó?”. – “Cinco de ouro!” – responde aquela senhora, ainda meio incrédula com seu próprio desempenho, e se perguntando em silêncio se ela e a neta não estariam em posições trocadas...
A glória não sobe à cabeça do atleta maduro. A derrota não é motivo para vergonha. A aparência também já não o preocupa. Lá estão à mostra as barriguinhas, os pneuzinhos, as ruguinhas evidentes nas caras lavadas, os cabelos brancos, as calvícies... Nada mais nos constrange. A idade não pesa. Aliás, não é “idade” que se diz. É categoria! – “Qual a sua categoria?”. E a gente responde: “40+ ; 45+ ; 50+ ; 70+”. E todo mundo fica empolgado, logo que passa para a próxima categoria, pois ali chega como o mais novo e, por conseguinte, com mais chance obter bons resultados.
Entre as melhores coisas que se desfrutam nos grupos de natação master estão as viagens. É ônibus lotado pra cá, avião pra lá... Tantas cidades que só assim eu pude conhecer. Junto vão os “perus” (maridos, mulheres, filhos, amigos de nadadores, apenas acompanhando). A cantoria. A bagunça. Todo mundo dando asas a seu lado criança, tão esquecido neste mundo cada vez mais sério, assoberbado e preconceituoso. Além dos companheiros de equipe, com quem se viaja junto, se torce junto, se festeja junto, e de cada novo amigo que se faz, existem aquelas pessoas queridas, algumas provenientes de lugares distantes, que a gente só vê por ocasião dos grandes campeonatos. A cada reencontro, uma celebração.
Programa é o que não falta, o ano inteiro. São churrascos, feijoadas, jantares, rodinhas de samba, bailes. Sem frescura. Sem senhoras e senhores. Todos atletas, tratando-se de você, não importa a idade. Vale sempre a categoria. O traje é rigorosamente esportivo, pra homens e mulheres. O que conta mesmo é a piada. O espírito é o da descontração. A filosofia, a do curtir-a-vida-a-valer! Amigo. Amiga. Não importa se é nosso maior adversário nas competições, porque a maturidade nos ensinou a ver nele, antes de um exímio nadador, um ser humano que, a seu próprio modo, também tem sua história pra contar. Tantos caminhos percorridos, até adotar este verdadeiro estilo de vida, que é ser um nadador master.
                                                                                           Curitiba – Primavera de 1991

(Obs.: Como podem ver, esta crônica foi escrita há mais de 20 anos. Mas, até hoje (2012) aos 66 anos, ainda continuo treinando e participando de campeonatos. E ganhando medalhas!)


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