No dia em que completei
quarenta anos, parei em frente ao espelho e refleti por alguns instantes sobre
o significado de já ter chegado à maturidade. A estabilidade da vida, os filhos
criados... Qualquer um que observasse ia ter a nítida impressão de que tudo
estava na mais perfeita ordem. Só que aqui dentro ainda ardia uma chama bem
acesa, energia armazenada, rogando para ser vivida, aproveitada...
“Ando meio estagnada – concluí
com certa tristeza. – Gostaria de fazer alguma coisa empolgante. Mas o quê?”
“Nada.” – foi a dura resposta
que ouvi, como que me sentenciando. Baixei a cabeça para evitar a imagem no
espelho de meus olhos marejados em lágrimas.
“Nada.” – A fria palavra
concretizou-se em meus lábios e escorregou para o fundo de mim. Silêncio. De
repente, ela retornou à consciência, como um eco, duplicada em volume e
carregada de entusiasmo.
“NADA!” – Sentir alegria por
não fazer nada poderia ser apropriado
para uma pessoa acomodada. Nem de longe combinava comigo, que sempre fui uma
mulher tão ativa. Que estranho! Seria já alguma manifestação da idade? Achei melhor deixar pra lá.
Afinal, todo mundo tem seu minuto de insensatez...
Passados alguns dias, convidei
uma amiga para almoçarmos fora. Ela disse que não podia ir, pois naquele
horário fazia aula de natação. Fiquei surpresa:
“Não diga! E onde é que você nada?”
Antes que ela respondesse, veio
a reação explosiva de quem matou a charada: “NADA! Agora entendi! Vou com você!”.
Quem não entendeu foi minha
amiga ao me ver chegar à academia e já ir parando na secretaria a fim de me
matricular numa turma de natação para principiantes.
Dali pra frente, a energia contida
passou a ser entusiasticamente utilizada. Quanto mais eu praticava, mais
reconhecia a importância deste que é considerado o esporte completo.
Depois de três anos, eu já
havia colhido alguns frutos deste meu prazeroso empenho. Melhorei minha
resistência; aumentei minha capacidade respiratória e circulatória; fortaleci
meus músculos; alonguei meu corpo. Tudo isso sem falar nos benefícios de ordem
energética, proporcionados pelo frequente contato com o elemento água, bem como
os de ordem psicológica: com o corpo mais saudável, as endorfinas ativadas e,
principalmente, a auto-superação, passei a gostar muito mais de mim.
Graças à dedicação de levar a
sério os preciosos ensinamentos que recebi, um dia fui considerada apta a competir
em um festival interno da academia. Fiquei apreensiva. Jamais havia participado
de nenhum campeonato de qualquer que fosse a modalidade esportiva, naqueles 43
anos de existência! Quem diria?!
Assim foi que, em 28 de junho
de 1989, ganhei a primeira medalha de toda minha vida. Não tinha nem daquelas
de Honra ao Mérito que quase todo
mundo recebia em meu tempo de criança. Eu havia vencido uma modesta prova de
25m crawl. Acho graça em lembrar que fiquei tão feliz que fui direto à casa de
minha mãe contar-lhe de minha façanha, como uma adolescente.
De lá para cá, tenho sido
crescentemente incentivada por professores, marido e filhos a participar de
outros campeonatos. Além dos internos da Academia, vieram também os municipais,
os estaduais, os regionais e os nacionais. Acabei por tornar-me uma atleta, nadadora master, que hoje tem a
prateleira forrada de medalhas. Às vezes, me ponho a olhar tudo aquilo, mal
acreditando que fui eu...
No entanto, a maior alegria
não são exatamente as medalhas que me proporcionam. Qualquer nadador master
sabe muito bem do que estou falando. Existem certas peculiaridades que
distinguem nossas competições daquelas realizadas para jovens. Os campeonatos
masters são, acima de tudo, verdadeiras festas. No lugar do arrebatamento
competitivo típico da juventude, ali predomina a madura sabedoria do legítimo espírito esportivo. Para nós, o dito: “O importante não é vencer, é participar”
vai muito além de ser um mero clichê, pois às vezes perder torna-se igualmente importante. É comum se ver o último
colocado de uma prova ser mais aplaudido do que o primeiro. Chegou!
Cada nadador master é um
exemplo, às vezes para os mais jovens, outras para os mais velhos. Quando vejo
alguém como a Maria Lenk, com seus 75 anos, campeã mundial, dissipa-se aqui
dentro a preocupação com minha velhice. Também tenho meus ídolos entre os mais
jovens, alguns com idade para serem meus filhos. Durante as competições,
observo atentamente sua técnica, seu estilo e agradeço pelas dicas que deles
recebo. Da mesma forma, sinto-me gratificada quando outras nadadoras me tomam
como exemplo.
Portanto, em nossos
campeonatos, é possível se ver o filho, o pai, o avô, todo mundo junto, numa
gostosa descontração. Diálogos inusitados, volta e meia, são ouvidos nos
vestiários. Como este, entre a garotinha do lado de fora do chuveiro, com a
toalha na mão, à espera da avó-atleta que acaba de cumprir sua última prova. –
“Quantas medalhas, vó?”. – “Cinco de ouro!” – responde aquela
senhora, ainda meio incrédula com seu próprio desempenho, e se perguntando em
silêncio se ela e a neta não estariam em posições trocadas...
A glória não sobe à cabeça do
atleta maduro. A derrota não é motivo para vergonha. A aparência também já não
o preocupa. Lá estão à mostra as barriguinhas, os pneuzinhos, as ruguinhas
evidentes nas caras lavadas, os cabelos brancos, as calvícies... Nada mais nos
constrange. A idade não pesa. Aliás, não é “idade” que se diz. É categoria! – “Qual a sua categoria?”. E a gente responde: “40+ ; 45+ ; 50+ ; 70+”. E todo mundo fica empolgado, logo que passa
para a próxima categoria, pois ali chega como o mais novo e, por conseguinte, com
mais chance obter bons resultados.
Entre as melhores coisas que
se desfrutam nos grupos de natação master estão as viagens. É ônibus lotado pra
cá, avião pra lá... Tantas cidades que só assim eu pude conhecer. Junto vão os
“perus” (maridos, mulheres, filhos,
amigos de nadadores, apenas acompanhando). A cantoria. A bagunça. Todo mundo
dando asas a seu lado criança, tão esquecido neste mundo cada vez mais sério,
assoberbado e preconceituoso. Além dos companheiros de equipe, com quem se
viaja junto, se torce junto, se festeja junto, e de cada novo amigo que se faz,
existem aquelas pessoas queridas, algumas provenientes de lugares distantes, que
a gente só vê por ocasião dos grandes campeonatos. A cada reencontro, uma
celebração.
Programa é o que não falta, o
ano inteiro. São churrascos, feijoadas, jantares, rodinhas de samba, bailes.
Sem frescura. Sem senhoras e senhores. Todos atletas, tratando-se de você, não importa a idade. Vale sempre a
categoria. O traje é rigorosamente
esportivo, pra homens e mulheres. O que conta mesmo é a piada. O espírito é o da
descontração. A filosofia, a do curtir-a-vida-a-valer! Amigo. Amiga. Não
importa se é nosso maior adversário nas competições, porque a maturidade nos
ensinou a ver nele, antes de um exímio nadador, um ser humano que, a seu próprio
modo, também tem sua história pra contar. Tantos caminhos percorridos, até
adotar este verdadeiro estilo de vida, que é ser um nadador master.
Curitiba –
Primavera de 1991
(Obs.: Como podem ver, esta crônica foi escrita há
mais de 20 anos. Mas, até hoje (2012) aos 66 anos, ainda continuo treinando e
participando de campeonatos. E ganhando medalhas!)
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