CERIMÔNIA DE PREMIAÇÃO
Vencedores das três categorias
Regina Pompeu - 1o e 3o lugares - Categoria Conto
Maria Tereza Callefe - 1o lugar Categoria Crônica e Menção Honrosa Categoria Poesia
(com Ari e Regina)
1o lugar -Categoria Conto
A FLAUTA MÁGICA
Ao ouvir os últimos acordes da música, Ele desligou o rádio, saiu, trancou a porta. Era hora de trabalhar!
A estação ferroviária de Bruxelas fervia de gente naquela semana que antecedia a Olimpíada. Eles chegaram pela manhã, provenientes de Londres.
Após anos e anos de trabalho, enfim a aposentadoria e a realização do sonho por tanto tempo acalentado: três meses na Europa, viagem cuidadosamente planejada em todos os detalhes, sempre priorizando o contato com a natureza, eventos culturais e locais históricos.
Para evitar a confusão, calcularam minuciosamente o tempo para partir alguns dias antes dos jogos e, até aquele momento, com exceção do clima, tudo havia transcorrido conforme o planejado.
Como em toda viagem, a bagagem já havia crescido e a alternativa mais prática era guardar uma das malas na estação durante a visita ao país, visto que de lá sairiam para Amsterdã.
No meio de todo o movimento, não notaram que eram observados atentamente.
Nem poderia ser diferente: Ele, o observador, tinha prática, era perito no ramo.
Alto, magro, vestido de maneira sóbria, praticamente invisível. Poderia ficar horas a fio num determinado ponto, até escolher sua presa. Só então começava a agir, friamente.
Logo identificou no Casal um alvo fácil: enquanto a mulher saía procurando algo, o homem vigiava as malas até a sua volta. Foi fácil segui-los e esperar por um momento de distração, que certamente aconteceria. O setor de guarda-bagagens estava vazio.
O homem tirou a mochila das costas, as moedas da carteira e entregou para que a mulher as colocasse na fenda apropriada, deixou a mochila sobre a bagagem, virou e se abaixou para ajudá-la a colocar a mala no cofre. Perceberam, então, que, naqueles poucos segundos em que haviam ficado de costas, a mochila sumira.
Ainda atônitos, dirigiram-se ao posto policial para registrar a ocorrência: tarefa difícil em que, após mais de uma hora de espera, se misturaram inglês, francês e muita mímica. Acompanharam o policial até o local do ocorrido e ficaram esperançosos ao ver que havia câmeras de vigilância.
Enquanto isso, Ele saía tranquilamente da estação. Ao chegar a casa, ligou novamente o rádio, sempre sintonizado na emissora de clássicos, calmamente abriu a mochila e, entre outras coisas como uma filmadora, um Netbook, um telefone celular e um suéter verde novinho em folha, deparou com algo que fez com que seu duro coração batesse mais rapidamente: ingressos para a ópera no Festival de Verão de Salzburg e passagens de trem! Ópera: sua única paixão e fraqueza! Desde criança ouvia árias, trios, quartetos e coros no velho rádio; aliás, mais chiados do que propriamente música.
Mesmo nas vezes em que esteve preso, sempre conseguia comprar, no mercado negro, aparelhos de som portáteis para ouvir suas canções favoritas, que sabia e cantava de cor.
E se fosse? Parecia que o destino havia lhe dado um prêmio. Já conseguia se imaginar na plateia, usufruindo do prazer inédito de assistir a uma apresentação ao vivo: sentia a vibração das cordas, o rufar dos instrumentos de percussão, a doçura dos de sopro e, principalmente, a modulação dos barítonos, sopranos, contraltos, tenores e baixos.
Como, em nome do perigo, renunciar a esse prazer único? Aliás, não era o perigo o tempero constante de sua vida? Quando teria outra oportunidade igual? Se é que algum dia esta se repetiria! As passagens e os ingressos queimavam em seu bolso...
No dia seguinte, ainda aturdido, o Casal saiu para conhecer a cidade e se deparou com uma praça onde, numa enorme feira, havia algumas bancas com malas obviamente roubadas, visto que nem a etiqueta do aeroporto havia sido removida. Desvaneceram-se, assim, as últimas esperanças de qualquer recuperação. Desiludidos, seguiram viagem.
O verão em Salzburg é uma festa. Sol, calor, lindos passeios dentro e fora da cidade.
Mas, a maior atração é o Festival.
Chega, enfim, o dia tão esperado!
O Casal se dirige ao teatro, mas é barrado, pois a organização do evento já havia informado que, se os ingressos originais aparecessem, teriam precedência.
Enquanto a mulher tenta desesperadamente convencer a organização do absurdo da situação, o homem chama a polícia, vislumbrando a oportunidade de desmascarar e prender o ladrão, além de recuperar os objetos roubados. A polícia chega, mas nada faz, pois o delito foi cometido em outro país e não existe registro de queixa a respeito do ocorrido.
Lágrimas de raiva e impotência nublam sua visão, enquanto, pela porta entreaberta do auditório, o Casal observa a dupla sentada em seus lugares: Ele, com o lindo suéter verde, filma tudo à sua volta e sua parceira fala alegremente ao celular.
Apagam-se as luzes, abrem-se as cortinas, ouvem-se os aplausos e os primeiros acordes da orquestra. Lentamente, a pujante melodia de Mozart invade o ambiente...Tem início a “Flauta Mágica”!
3o lugar - Categoria Conto
MEMÓRIAS DE UM PIANO
Não me lembro de como tudo começou, quando deixei
de ser apenas um monte de Pinho de Riga, cordas, metais, marfim e me
transformei no que sou.
Tenho vagas lembranças da viagem de navio num
engradado, de moças com vestidos
esvoaçantes, saraus, melodias de
amor. Todos me rodeavam, cantavam e vibravam com meu som.
Um dia, cheguei à casa humilde de uma jovem senhora
muito bonita, que sonhara ser pianista e desejava que sua filha, de cerca de
dez anos, realizasse seu sonho.
Sofri muito, pois logo percebi que a menina fugia
de mim como o diabo da cruz.
Cada aula era um martírio; a cada visita, uma
provação, pois era obrigada a executar músicas que nem estavam bem preparadas.
Praticamente dormia em cima de mim na hora de estudar, e somente o fazia sob as
ameaças da mãe.
Ela adorava música, mas gostava mesmo era de
dançar!
Certa manhã, fui arrastado para o corredor, o corpo
imóvel da jovem senhora ficou na sala, rodeado de velas e as pessoas, que eram
muitas, choravam sem parar.
Ela foi retirada numa caixa de madeira muito
parecida comigo e nunca mais voltou.
Fui, então, levado para a casa onde a menina passou
a morar.
Agora, era a velha senhora que obrigava a coitada a
estudar, para satisfazer o desejo da finada mãe.
A menina tornou-se moça e casou, me levando
consigo.
Até que ela tentou recomeçar os estudos, mas logo
nasceu uma criança, o casal se separou e lá fui eu carregado de novo para outra
casa.
Depois disso, viajei para longe e, após algum tempo
de uso, transcorreu um longo período de abandono.
Minhas cordas se romperam e minha voz ficou fraca e
desafinada.
De vez em quando, a menina, agora adulta, aparecia
e eu voltava a ser tocado, mas, logo em seguida era esquecido.
Há alguns anos, voltei a viajar, desta vez para o
litoral.
A menina havia se tornado uma senhora de meia
idade.
Passei por uma reforma e voltei a soar como
antigamente.
O velho senhor vinha, de vez em quando, e cantava
feliz ao som de minhas melodias.
Mas, fui de novo abandonado e passei algum tempo
sozinho, até que, na semana passada, tomei um baita susto:
Chegou um homem que começou a me desmontar
inteirinho. Fiquei, literalmente, em pedaços!
Senti um calafrio, pensei que ia me tornar madeira
de fogueira ou coisa parecida.
Mas, para minha surpresa, fui trazido, montado e
afinado, para esta casa.
À tarde, a linda jovem dona da casa chega do
trabalho e acaricia minhas teclas com muito carinho. Sinto que ela realmente me
quer e ficou feliz em me receber!
Nos fins de semana a casa fica cheia de crianças e
jovens e, enfim, (quem diria?), este velho de mais de oitenta anos, cansado de
ser levado pra lá e pra cá, voltou a ser o centro das atenções!
1o lugar - Categoria Crônica
DE VOLTA ÀS ORIGENS
Envolta em bruma, lá estava ela. Silente. Colorida. Inteira. Quase
intocada. Afagada pelo mar, às vezes acolhedor, outras tantas, revolto por
correntes advindas de muito longe. Mas estava lá.
Inteira, abrindo-se para quem se evadira.
Com este espetáculo, sonhei durante sessenta e quatro anos. Eu, que
também andava perdida entre brumas e, movida por forças adversas, não era mais
capaz de vislumbrar minha tão necessária inteireza. O olhar,
capturando sempre o possível horizonte, fosse ele porta aberta para novas
descobertas, perdera sua capacidade de se extasiar com o aquém.
Durante todos este sessenta e quatro anos, não imaginava pudesse voltar
às minhas origens, a esta, a quem me arvoro o direito de chamar minha, minha
Ilha das Flores.
Mas voltei. Fiz as malas e, agora, não singrando mares, mas cortando os
ares, lá vou eu e meu companheiro dequarenta e dois anos.
A vida fora me empurrando quase sempre para o mais urgente, para o agora
e já, de tal forma que a possibilidade do sonho deu um jeito de se esconder.
De repente, não mais que de repente, Geraldo e
euestamos no aeroporto de Lisboa e um grito, que virou perene sinfonia: Tia!!!
Assim começa a minha volta às
origens.
Quando o avião ainda sobrevoava
o Tejo coberto de nevoeiro lá me vem a sensação do sebastianismo. Mas não era o
jovem de Alcácer-Quibir que vinha envolto em nevoeiro para salvar a pátria dos
desmandos, não, não era. Era uma velha senhora que começava a estender suas
raízes, há tanto tempo sem chão.
Eu já havia morado em Lisboa
durante o curso colegial no Liceu Maria Amália. Conhecia Lisboa, a princesinha
do Tejo, mas devo confessar que alguma coisa deve ter acontecido: mudaria
Lisboa ou mudei eu?
Claro que, depois de cinquenta
e seis anos, nada poderia se manter inalterado: nem a cidade, nem o meu olhar.
Lembro-me de, quando ia à missa
no Mosteiro dos Jerônimos, a nave parecer-me imensa, talvez o som do órgão me
passasse essa impressão. Agora, quando por lá passei, pareceu-me tudo tão sem
majestade...
Também tivea minha nota de
turista brega. Foi quando, com toda a desfaçatez, sentei-me ao lado da estátua
de Fernando Pessoa no Chiado para tirar foto. Que vergonha! Logo ele que dizia:
“não me peguem no braço;/ não gosto que me peguem no braço. /Já disse que não
sou de companhia. ”
Cascais perdera o bucolismo
assim como Sintra e Óbidos. Turismo, muita gente, lojas com produtos de artesanato
caríssimos, restaurantes, restaurantes...
Ah, mas existia o mar. Lá
estava ele inalterado na Praia do Guincho e no Cabo da Roca, onde“a terra se
acaba e o mar começa”.
Havia ainda outro mar que me
seduzia e que imaginara perdido para sempre; o da minha encantada Ilha das Flores.
Embarcamos em Lisboa. Escala em São
Miguel. Lá, minha sobrinha Ana, vindo de Toronto, nos encontrou no aeroporto.
Linda, alegre, despachada. Agora, sim. Formado o triunvirato das meninas Vieira,
começaria a doce peregrinação.
O momento mágico da chegada,
ocorreu quando, ao abrirmos a janela da varanda do hotel, fomos capturados por
tanto azul, luminoso azul, da baía de Santa Cruz. Naquela hora, gostaria de ser
dona de todas aspalavras, aquelas que, em si, encerram o mistério do indizível.
Não as tive. Continuam marulhando dentro de mim, e acredito que me farão
cócegas até que, um dia, quem sabe, possa voltar para me dizer por inteiro.
Aqui um parêntese necessário.
Nascida numa família muito
pobre, imaginava que o mundo se resumia na pequena vila das Lajes, onde havia a
nossa escola, a igreja ondo fora batizada, onde existia a casa da avó, meu porto
seguro e o cais, aquela “saudade de pedra” de que nos fala o poeta.
Não! Existia uma ilha que eu
não conhecia. Forrada de verde, “verde que te quero verde”. Rodeada de azul.
Havia novos caminhos por onde os carros podiam transitar. Tudo isto misturado a
um bucolismo que, Deus permita, permaneça, sem o qual a ilha perderia sua
característica.
Foram apenas dois dias de
encantamento. Precisava de muitos mais para que as imagens fossem se acomodando,
se materializando, me abarrotando por inteiro.
Depois de todos estes anos,
imaginei não encontrar nenhum vestígio de minha história na ilha.
Havia. A casa da avó na
Fazenda, Caminho de Cima. Lá estava ela. A mesma entrada. A mesma janela onde a
avó passava as tardes crochetando, escrevendo cartas para os filhos no Brasil,
oudevorando romances para as horas de divagação.
Hora de partir. Quando o avião foi se afastando, uma dor jamais sentida.
A sensação de perda. Eu, que tinha vivido dois dias de plenitude, agora
trincada por dentro. O doce oferecido e, sem mais, arrancado a frio.
Sério dilema a resolver. Feita em duas e um mar sem fim como entremeio.
Menção Honrosa - Categoria Poesia
CREPÚSCULO
Palco sem luz.
Cadeiras vazias.
O grande show vai começar.
Senhoras e senhores!
Respeitável público!
Crianças do meu país!
Velhos e jovens,
Santos e crápulas,
Venham todos!
Tragam os esquecidos,
Os repudiados.
Arrastem os gloriosos,
Os senhores e os escravos.
Venham.Corram.
Carreguem ao colo os amordaçados,
Os proscritos,
Os mutilados.
Abram a porta para todos os sonhos.
Dos rios tragam a gota límpida.
Da terra, o fruto são.
Do ar, a brisa leve.
Da montanha, o bicho mais raro.
Das noites, a estrela possível.
Carreguem em triunfo todas as madrugadas coloridas.
Acompanhem em silêncio o último entardecer do meu País.
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