segunda-feira, 21 de maio de 2012

PONTO A PONTO- Por Regina Pompeu



Aposentada, filho criado e casado; como companhia, apenas o cachorro, velhinho como ela.
Não é mais necessária a corrida pela sobrevivência: poucos gastos, rendimento suficiente para tocar a vida sem grandes sobressaltos.
Sempre lidou com pessoas de poucos recursos e agora não tem predisposição para trabalho voluntário; depois de uma vida inteira de horários, não quer se sentir presa a compromissos formais ou informais.
Mas, sente falta de uma atividade em que possa se sentir útil novamente, “fazer a diferença”.
O inverno chegando, mesmo que na cidade o frio não seja tão rigoroso, nas madrugadas a temperatura cai bastante.
Por que não fazer agasalhos para doar?
É uma atividade que lhe agrada bastante e para a qual nunca sobrou tempo suficiente.
Após muito tempo sem tricotar, o trabalho não sai tão bom quanto antes.
No primeiro gorro, percebe um ponto errado, mas contém seu impulso de desmanchar e refazer, afinal, sempre foi acusada de perfeccionista.
Após muitos dias de trabalho, termina alguns gorros e cachecóis, e entrega todos ao serviço social para distribuição.
Não precisa nem quer agradecimentos, basta a satisfação de fazer o que gosta, sem pressa nem cobranças.
Só não consegue doar aquele com ponto errado.
Não desmanchar é uma coisa, doar algo imperfeito é outra muito diferente.
Resolve colocá-lo no lixo.

Madrugada fria, ouve um barulho na sala.
Vai verificar e encontra seu cachorro inerte e ensanguentado no piso frio.

Ergue os olhos e sua última visão é de alguém vindo em sua direção, usando um gorro, no qual percebe um ponto errado...

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