Tenho tanto p'ra contar que demorei a elaborar o início, e por ter passado por quatro vezes pertinho daquela senhora de túnica preta com uma foice na mão, resolvi intitular este primeiro capítulo de:
" Ufah! Finalmente sessenta "
Não fosse a sorte e um Anjo da Guarda muito competente, eu não estaria contando isto hoje p'ra vocês.
Meu primeiro esbarrão com a morte foi aos sete anos de idade quando d-e-s-p-e-n-q-u-e-i do segundo lance da escadaria da Escola, de 10 metros de altura, ao fazer de escorregador o corrimão de madeira que tinha uma curva muito atraente, na qual eu já estava craque há alguns meses.
Total= somente muitos hematomas, nada quebrado, apenas 8 pontos por dentro do lábio inferior e 12 por fora.
O segundo veio bem depois, aos 28 anos, quando passei por um aborto de uma gestação de seis meses e dez dias que me obrigou a permanecer deitada por estar com a placenta prévia. Meu marido não queria filhos, por já ter dois ainda pequenos de seu primeiro casamento, entretanto não aceitava usar preservativo e sabia que eu não podia tomar pilulas anticoncepcionais por ter propensão a tromboses. Eu já havia passado por 3 curetagens forçadas por ele e ainda por dois abortos espontâneos bem no início das gestações, acredito que por estar o útero sem condições de segurar o embrião devido às curetagens.
Naquela gravidez em 1.980, o médico decidiu solicitar repouso absoluto em virtude de estar a placenta anterior ao embrião.
Vale esclarecer que o médico das curetagens era outro. O que me tratava nessa gestação, era mestrado fora do Brasil e foi o pioneiro em Banco de sêmem, só atendia no Albert Einstein, etc..
Decidi então ir p'ra casa de meus pais para ter o repouso necessário. Meu marido ia me ver diariamente, e a partir do quinto mês sua roupa no final do dia tinha um sutil perfume feminino e por outras vezes umas manchas de blush.
Bem, fui ignorando o tanto quanto pude, até que numa sexta-feira quando me visitou deixou claro a vontade de se separar de mim assim que o bebê nascesse. Naquela madrugada dores fortes começaram e precisei ser levada ao Hospital juntamente com minha mãe por uns amigos, pois ele havia viajado com os dois filhos.
Com pressão arterial de 4 X 1 em virtude dos fortes analgésicos e sob cuidados intensivos prestados pelo próprio médico e sua equipe, sofri dores agudíssimas na ante-sala cirúrgica enquanto todos aguardavam o efeito da anestesia peridural para começarem a cirurgia. Mas............fui presenteada pela eliminação natural da placenta, e logo depois aquele médico com muita experiência fez meu corpo expelir imediatamente o bebê sem fazer a cirurgia, entretanto o anjinho já estava em óbito por falta de oxigenação.
Era um menino com 790 gramas e 23 centímetros, que fiz questão de olhar e tocar apesar do estado deplorável em que me encontrava.
Da
terceira vez o Guardião Angelical teve que dar conta de um sequestro
relâmpago em l992, aos 40 anos de idade, quando esse tipo de delito
ainda nem tinha recebido esse "título".
Fui abordada no trânsito por dois assaltantes armados,
que me obrigaram a destravar as portas e, entrando no carro um deles
tomou o volante e disse p'ra que eu ficasse quieta, sem reagir, no banco
do passageiro, e o outro sentou-se atrás e manteve uma arma com o cano
colado em meu pescoço. Queriam saber em que Banco eu tinha conta, se
havia dinheiro, se eu estava com o cartão magnético e qual era a senha.
Comecei a falar e perguntei se aquilo era um assalto ou
um sequestro, porque poderiam me deixar sair e levar o carro, a bolsa e a
senha, mas responderam que era apenas um assalto. Fui conversando com
eles, tentando mantê-los calmos porque eram muito jovens e estavam
visivelmente drogados, quando depois de 20 minutos rodando pelas ruas a
procurar uma agência bancária, várias viaturas da Polícia já estavam nos
seguindo com suas sirenes abertas.
Alguém, que até hoje agradeço sem conhecer, percebeu a abordagem e ligou ao 190 dando as características do carro e do delito.
Naquele momento pensei que iria ser o F-I-M, porque os
policiais atiravam e as balas atingiam a traseira do carro durante uma
perseguição de 3 ou 4 minutos que foram os mais longos de minha vida até
então. Foi quando agarrando o braço daquele que estava ao volante, pedi
que parasse o carro e me comprometia a dizer à Polícia que eles eram
meus parentes.
Em seguida ele estacionou com calma e os dois saíram com
os braços na cabeça. Eram nove viaturas, naquela altura, que frearam
em torno do meu carro. Foi assim que me vi livre deles, apesar de ter
ainda passado pelo constrangimento de também ter ido ao paredão com as
mãos na cabeça porque a Polícia não tinha certeza se eu era a vítima ou
uma comparsa no crime, até que revistando minha bolsa e os documentos me
liberaram pedindo desculpas. O Sargento que comandava a operação tinha
20 anos de experiência em capturas, e me disse duas frases: 1- "A
senhora teve muita sorte porque a maioria dos reféns são mortos dentro
do carro pelo nervosismo dos delinquentes." 2- " A arma que eles usaram,
é uma semi automática e esteve com uma bala na agulha durante todo o
tempo. Que sorte tem a senhora!"
Ufah......................!!! Ufah......................!!!
Na Delegacia foram tomados os depoimentos e após a
chegada das respectivas mães dos "distintos" com Certidões de
Nascimentos "frias" é claro, eles foram gentilmente levados por uma
Assistente Social para a Febem.
Meu carro?
A oficina credenciada da P.M. iria demorar tanto para restaurá-lo, que preferi fazê-lo por conta própria.
Restaram ainda cinco meses de psicoterapia, p'ra que eu
pudesse dirigir novamente sem me assustar com qualquer pessoa que
passasse perto do meu carro.
A você que está lendo estas histórias, meu pedido de desculpas por trazer tanta violência logo em nosso primeiro contato.
É que isso faz parte da vida das Novas Sessentonas.
Nossas avós, as Antigas Sessentonas nos contavam
histórias diferentes, mas sobretudo as dramáticas, com certeza, foram as
que nós mais gravamos, não é mesmo?
E então, vamos continuar!
A quarta
ação do senhor Anjo de Aço foi aos 54 anos quando, sentindo a dor mais
aguda de minha vida, tive o apêndice supurado. Estava na casa de uma
amiga porque naquela tarde não pude dar aulas por estar com algumas
dores pelvicas. Foi ela então que chamou a ambulância e me acompanhou ao
hospital.
Os analgésicos na veia começaram a agir enquanto os
exames eram providenciados. Me mantiveram em jejum absoluto pela
eminencia de uma cirurgia, entretanto após dois dias o médico ainda não
tinha uma conclusão. Na manhã do terceiro dia ao me olhar no espelhinho
do banheiro, notei que estava com a aparencia esverdeada, como a dos
semimortos.
Esperei o médico chegar, o que se deu às 2:00 horas da tarde, e segurando firme em seu bíceps exigi que me operasse.
Constrangido e alegando que o Centro Cirurgico estava sendo dedetizado, pediu que eu esperasse mais um dia.
Resolvi então mencionar alguns nomes de conhecidos meus
na Cidade que iriam denunciá-lo por meu óbito, e exigi que me abrisse a
pelve naquele momento, sob minha total responsabilidade, e ainda
segurando seu braço pedi que ligasse para o Centro Cirurgico dizendo que
havia uma emergência.
E ele o fez.
Chamou uma enfermeira para fazer a assepcia local em minha pelve, mas não foi atendido. Todas estavam em procedimentos.
Então perguntei a ele: "Doutor, o senhor tem um Prestobarba em sua valise?"
Em 5 minutos de chuveiro, sem forças, com dificuldade e com soro ligado, me preparei para a operação.
Total = 30 litros de soro fisiológico para "lavar" toda a
pelve e o abdomem durante uma hora e meia de mesa cirurgica; mais 14
dias de hospital, 4 em jejum, com antibióticos na veia, e um mês sem
poder trabalhar, mas livre de uma septicemia.
Depois de três meses, uma hérnia na incisão me obrigou a
uma nova cirurgia. Com outro médico é claro, foi colocada uma tela
especial que segura até hoje minha musculatura pélvica.
Que bom hein, que a medicina avançou, mas que pena que alguns profissionais continuam desumanos.
Queridos,
ainda quero lhes contar outras histórias, por exemplo: de meus 3
casamentos, sobre minha vida profissional, da vida de meu pai, que foi
muito bonita e outras, e mais outras. Até breve.
Mainara Zampieri
Regina,
quero agradecer por sua generosidade. A idéia de seu Blog nos permite
deixar pública nossa história de vida. Você não pode calcular com que
prazer e vontade estou escrevendo cada linha destas, além disso, que
terapia espetacular saber que estamos dividindo essas experiências com
mais pessoas, e que não precisam ficar apenas guardadas em nossa
memória. Imaginar que embora essas pessoas não estivessem presentes nos
momentos narrados, elas agora também fazem parte deles.
Muito, mas muito obrigada de verdade. Namastê querida Regina.
Rita Figueiredo, gosto de ler seus textos, aprecio sua franqueza e diplomacia.
Bem-vinda, Mainara Zampieri, à tribo das Novas Sessentonas!
ResponderExcluirAinda que o teor de tuas histórias evidencie momentos de vida bem desafiantes, foi um prazer te ler!
Aliás, não é bem “te ler”... Quase que "te ouvi", tamanha vitalidade, fluência e graça presentes em tua narrativa.
Fico no aguardo dos próximos episódios.
Namastê também.
Mainara, instigante o seu texto. Direto, sem pieguices, gostoso de ler. Que venham muitos mais. Seja bem vinda!
ResponderExcluirUfa Mainara!!! Que venham mais textos rápidamente. Quero saber dos seus outros dois maridos, pq desse q vc contou eu ñ gostei mesmo!!!
ResponderExcluirBjs carinhosos.
Querida Vipompeu,
ResponderExcluirÊsse que contei foi meu segundo marido, com o qual permaneci de 1974 à 1983 (os nove mais tenros anos de minha vida). Já faleceu em 2010, Ufah !!
Estou preparando os próximos. Abração, Namastê! Mainara