sábado, 14 de abril de 2012

VIDA DE PROFESSORA- Por Regina Pompeu



A ESCOLHA
É muito difícil determinar a razão de uma determinada escolha profissional.
Como a maioria das meninas de minha época de infância, eu vivia brincando de escolinha.
Filha única, superprotegida, com poucas oportunidades de fazer amigos, brincava e falava sozinha (aliás, falo sozinha até hoje), lecionando para meus alunos imaginários.
Ao concluir o antigo curso ginasial (hoje Ensino Fundamental), meu desejo era ter continuado a estudar no mesmo colégio estadual.
Porém, os planos de minha família eram outros.
Fiz exame de admissão ao Instituto de Educação Caetano de Campos, considerado o melhor da cidade, e fui aprovada.
Segundo meu pai, eu deveria me formar professora e depois, já com uma profissão garantida, se quisesse, poderia prosseguir os estudos.
Foi o que fiz.
Na Caetano, conforme chamávamos carinhosamente a escola, fiz amizades que perduram até hoje, mais de quarenta anos depois.
Já na faculdade, prestei concurso para o magistério municipal e ingressei como professora efetiva; fiz carreira e me aposentei como diretora.
Sinceramente, apesar de gostar muito de estudar e de ter uma relação afetiva com a maioria dos alunos, não gostava muito da rotina de dar aulas. Naquela época, éramos obrigadas a seguir cartilhas e programas pré-determinados, sobrando pouco espaço para a criatividade. No entanto, precisava do salário e não podia me dar ao luxo de abrir mão de um cargo público.
Somente fui tomar gosto pela profissão quando passei a coordenadora pedagógica, trabalhando na supervisão e formação de professores e, posteriormente como diretora e supervisora escolar.
  Muitos colegas de percurso já se foram, outros se distanciaram, mas alguns ainda fazem parte de meu círculo de queridos amigos.
Com todos aprendi muito, cresci como pessoa e como profissional e, embora muitas vezes cansada e desiludida, não me arrependo de ter trilhado este caminho.
EDUCAR HOJE: UM DESAFIO
Desde os povos primitivos, é por meio da educação que as gerações adultas transmitem às mais jovens conhecimentos, valores, crenças e costumes construídos pela sociedade.
Esse processo ficou cada vez mais complexo ao longo da história, o que tornou obrigatória a existência da escola como seu principal agente.
Antigamente, essa transmissão se dava de maneira razoavelmente tranquila, visto que as mudanças da sociedade se operavam lenta e gradualmente.
Hoje, no entanto, toda a sociedade e, particularmente, pais e professores se encontram confusos.
Vivemos numa época de mudanças tão rápidas que mal conseguimos acompanhar.
As imagens nos chegam de todas as partes do mundo no mesmo instante em que os fatos estão ocorrendo.Podemos ter acesso a qualquer museu ou biblioteca em questão de segundos.Os avanços tecnológicos tornam obsoletos equipamentos recém adquiridos.
Já estamos na segunda década do terceiro milênio e o que temos são muitas perguntas e pouquíssimas respostas:Como adequar a escola aos novos tempos?Como estimular o interesse pelos estudos?Que conteúdos desenvolver, que valores transmitir?Como avaliar?Como educar, enfim, para essa nova sociedade que se apresenta tão cambiante e plural?Que tipo de adulto queremos formar? Como estabelecer limites sem cair no autoritarismo? Como controlar a escalada da violência, as drogas, as doenças sexualmente transmissíveis, a gravidez na adolescência?
Felizmente contamos com estudos que nos permitem buscar soluções novas para os novos desafios que se nos apresentam.
Já não se admite a existência de apenas um tipo de inteligência, mas de múltiplas formas de aprender. Não vivemos mais sob o domínio da valorização exclusiva do intelecto e reconhecemos a importância saber lidar com as emoções.Estamos, felizmente, começando a praticar efetivamente a inclusão.
Contamos com valiosas contribuições das diferentes áreas do conhecimento, que nos indicam maneiras de proporcionar às crianças e jovens variadas formas de aprender de maneira autônoma e criativa.
O importante é que estejamos abertos a novas ideias, sem, contudo, nos deixar iludir por modismos; é importante manter fórmulas consagradas, sem apego a práticas obsoletas.
É preciso ousar, perder o medo, confiar em nossa capacidade de crescer e possibilitar crescimento às novas gerações.
PALAVRA, PARA QUÊ TE QUERO?
Embora seja fascinante refletir sobre a linguagem não verbal, vou restringir meus comentários à verbal, aquela que usa a palavra, seja ela escrita ou falada.
Com o tempo, o homem foi aperfeiçoando seu sistema de representação do mundo por meio de sinais (sonoros e gráficos) e hoje contamos com uma imensidão de possibilidades, o que torna a comunicação cada vez mais completa e complexa.
É na família que a criança vive suas primeiras experiências simbólicas. É a mãe que nomeia o mundo: nenê, bola, mamãe, au-au…
À medida que repete e imita a mãe e demais pessoas que a rodeiam, a criança vai recriando a linguagem e se constituindo em ser verbal, ser social, ser humano.
À escola cabe a sistematização e o aprofundamento das várias linguagens: escrita, falada, matemática, artística, científica.
No entanto, é preciso cuidado.Muitas vezes o que dizemos não é entendido por nosso interlocutor, não porque ele esteja desinteressado ou desconheça o assunto, mas porque as palavras que usamos não fazem parte do seu vocabulário, podendo causar mal-entendidos.
O mais comum é acreditar que o outro não sabe, quando, na verdade, não entendeu o que lhe foi dito ou perguntado.
Termos usados com significados diferentes conforme a região, vocabulário adulto sem significado para a criança, são exemplos de fatores que podem causar erros de avaliação, confusões e até ruptura na comunicação.
O folclore escolar está repleto de casos, como este, que relato apenas como exemplo.
Uma professora de 1ª série pediu que a aluna lesse e interpretasse a seguinte frase:
MAMÃE AFIA A FACA.
Por mais que estivesse decodificando os sinais, ela não conseguia perceber seu sentido.
Ainda bem que a professora, através de perguntas, conseguiu entender:
Que sentido a menina poderia ver nessa sequência de palavras?
MAMÃE AFIA ( A FILHA) A FACA.

MEIOS DE TRANSPORTE
Esta aconteceu com duas colegas.O assunto era “meios de transporte e comunicação” para alunos da 2ª. Série.Após desenvolver o tema, a Rita colocou um questionário na lousa, onde pedia:
Cite três meios de transporte que você já ouviu falar.
Orlando disse que não havia entendido a pergunta e a professora, pensando que ele não havia entendido a palavra “cite”, disse que ele deveria escrever o nome de três meios de transporte que ele tinha ouvido falar.
Desesperado, ele resmungava:
_ Carro não fala, avião não fala, trem não fala…..
Quando a Rita contou o caso na hora do intervalo, a Sônia, que estava trabalhando o mesmo tema, resolveu fazer a mesma pergunta à sua classe, para verificar se apareceria alguma resposta semelhante.
Um de seus alunos respondeu:
_ Enxovais Jangada e Casas Pernambucanas.
Naquela época, circulavam pelo bairro algumas peruas com alto-falantes, conclamando os moradores a comprar seus produtos.
Realmente, esse aluno havia ouvido alguns meios de transporte “falando”…
PRESENTES PARA A PROFESSORA
Em toda classe sempre há algum aluno desejoso de agradar a professora.
Naquela turma de segunda série não era diferente.
Não lembro mais de seu nome, mas seu rostinho oriental está gravado em minha memória.
Ela vivia me presenteando com flores, balas, etc..
Certa vez, me trouxe um lindo anel, certamente de ouro.
Perguntei se sua mãe sabia desse presente e ela, muito sem jeito, disse que sim.
Devolvi a ela e pedi que somente me desse quando eu pudesse agradecer à sua mãe, pessoalmente.Nunca mais vi o anel.
Numa segunda feira, me trouxe um pedaço de bolo bem grande.
Ao me entregar, comentou:
_ Ontem minha tia fez aniversário e minha mãe fez dois bolos.Um deles, todo mundo comeu. O outro ninguém quis; então ela me mandou trazer este pedaço para a senhora…
Pena que essa sinceridade e essa pureza desaparecem à medida que crescemos!
MARILDA
Era a primeira aluna da classe.
Cadernos sempre impecáveis, lições corretas, pontualidade e assiduidade nota dez.
Aos dez anos, Marilda era minha aluna da 4ª. Série do antigo Primário, hoje Ensino Fundamental, numa escola municipal na Vila Nova Cachoeirinha.
Era tão brilhante que naquele ano ganhou a biblioteca prêmio oferecida pela Secretaria de Educação ao melhor aluno da escola.
No dia da entrega do prêmio, fomos somente nós duas para recebê-lo, pois ninguém de sua família a acompanhou.
Sempre asseada, mas pobremente vestida, o olhar triste contrastava com seu brilhantismo escolar.
Numa tarde, um homem visivelmente embriagado aproximou-se do muro da escola e começou a falar bobagens.
Marilda baixou a cabeça na carteira e começou a chorar.
Certa de que o motivo do pranto era o medo, aproximei-me dela e consolei-a dizendo que não tivesse receio, pois o portão estava trancado e não havia perigo de que o homem entrasse.
Nesse momento, um dos alunos falou:
_ É o pai dela, professora!…
MÁRCIA
Ah!, se tivéssemos o dom de voltar e apagar o passado!
Se pudéssemos desfazer alguma ação de que nos arrependemos, certamente eu voltaria àquele dia já muito distante em que humilhei uma aluna de uma forma que jamais poderia ter feito.
Era uma classe de repetentes de primeira série.
Naquela época (espero que não se faça mais isso atualmente), os alunos que não conseguiam vencer a “cartilha”, eram reprovados e agrupados numa mesma classe para começar tudo de novo, como se não tivessem tido avanços no ano anterior.
Os cadernos de Márcia eram feios e sujos.
Um dia, cansada de repreendê-la e certa de que a estava “educando”, com muita raiva, peguei seu caderno e, rasgando em muitos pedaços, lancei-o ao cesto de lixo, dizendo, em frente a todos os outros alunos:
_Seu caderno é um lixo e é aqui o seu lugar!
Não me lembro de ter recebido em toda a minha vida um olhar com tanto ódio, ressentimento e humilhação.
Eu merecia muito mais do que esse olhar, e espero que o dano que causei não tenha sido irreversível, e que ela tenha encontrado no seu caminho uma professora um pouco mais sensível e humana, capaz de fazê-la recobrar a auto-estima.
ENSINANDO GERMINAÇÃO
Era uma classe de 1ª. Série e eu, ainda no início do magistério, devia ensinar como as plantas nascem e se desenvolvem.
Comecei as instruções, de maneira detalhada, chegando ao óbvio:
_ Peguem uma lata vazia de ervilha ou massa de tomate, façam furinhos na parte de baixo, encham de terra até a metade, coloquem três grãos de feijão, cubram com mais terra. Entenderam? Alguém tem alguma pergunta?Lá do fundo, um dos alunos ergueu a mão:
_ A gente deve por também o caldo do feijão?…..
ELOÍSIO
Ele sempre se apaixonava pelas professoras.
Naquele ano, eu era a bola da vez; ele chamava meu noivo de “aquele mini-homem”.
Quando estava no primeiro ano, chegou a esperar o namorado da professora com um pau, para lhe dar uma surra. Só não o fez porque seus colegas o dissuadiram.
Quando essa mesma professora ia se casar, eu o convidei para ir comigo.
No dia marcado, ao vê-lo chegar, perguntei:
_ Eloísio, você não vai ao casamento da Sônia?
Muito sem jeito, ele respondeu que não.Só então percebi que, mesmo humildemente vestido, ele estava com sua melhor roupa.
Para consertar a “mancada”, pedi para uma colega entrar na minha sala de aula e, fazendo cara de surpresa, perguntar aonde ele ia tão bonito.
A estratégia deu resultado e o levei para minha casa, onde, a pretexto de estar fazendo frio, lhe emprestei um casaco.
Passei o casamento prestando mais atenção a ele do que aos noivos.
Houve um momento em que sua emoção era tanta, que ele saiu para chorar escondido.
Anos depois, já grávida de meu filho, eu o encontrei trabalhando numa metalúrgica em frente à minha casa.Embora tivesse crescido, não tinha perdido seu jeito ao mesmo tempo doce e maroto.
CONSTRUINDO TEXTOS
Os alunos deveriam inventar frases com uma palavra escolhida por mim.
Em seguida, a classe escolhia algumas e, com elas, montávamos uma história.
Para evitar frases pobres, eu “proibia” os verbos de ligação.
Naquele dia, a palavra escolhida foi galo.
Surgiram frases como:O galo é namorado da galinha.O galo mora no galinheiro.Etc..
Até que o Renato leu a dele:
João quebrou a régua na cabeça da Maria.

Espantada, perguntei:
_ Renato, e o galo?
_ Tá na cabeça da Maria, professora!
ACENTUAÇÃO
Classe de 3ª. Série.
Aula de Português.
Escrevi uma lista de palavras na lousa, com a seguinte instrução:
Coloque o acento adequado.
Um dos alunos levantou-se da carteira e, muito irritado, dirigiu-se a mim, dizendo:
_ Professora, a senhora ensinou o acento agudo e o circunflexo, mas o adequado a senhora ainda não ensinou!


2 comentários:

  1. Regina, a riqueza de vida em uma sala de aula com certeza compensa as limitações e frustrações da profissão. Creio que até hoje, mtas vezes, você deve ser brindada com um "oi Dona" lembra de mim?

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  2. Juro que eu queria ter sido aluna dessa maravilha de Professora!
    Pensando bem, posso dizer que SOU aluna... seguidora dessa talentosa Mestra Contadora de Histórias.

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