domingo, 26 de fevereiro de 2012

JACY- por Vitória Pompeu


Jacy
Em Memória de Jacy, uma sessentona e setentona muito especial que conheci.
Por Vitória Pompeu

Conheci Jacy aqui em Campinas onde ela ficou hospedada na casa de amigas que tínhamos em comum. Eu tinha quarenta anos e ela sessenta. Veio para fazer uma cirurgia no ouvido no Hospital Penido Burnier. Ficou por algum tempo e eu me apaixonei por ela. Jacy era linda por dentro e por fora. Atenciosa, conversa divertida, magrinha de calças jeans e blusinhas bordadas. Ria da própria vida, relembrando seu ex e falecido marido sem mágoa alguma.
Eu, que tinha acabado e conhecê-la ficava meio fora da conversa, mas mesmo assim me divertia com as colocações dela.
Dois anos depois minhas amigas (mãe e filha) mudaram-se para Cabo Frio, onde o marido da minha amiga trabalhava.
Fui fazer uma visita à minha amiga grávida e fiquei sabendo que Jacy morava lá.
Encontramo-nos algumas vezes na praia e ele continuava divertida, conversa boa. Morava com a mãe idosa e quando dava a hora do almoço da mãe Jacy enrolava a canga, subia no seu Bug e ia embora. De verdade eu a admirava muito.
O tempo passou, passamos várias férias em Cabo Frio, minha amiga divorciou, voltou para Campinas e daqui para Niterói e oito anos depois eu soube que Jacy estava só, perdera a mãe e alugava um dos quartos da casa para complementar a renda.
Seu último inquilino tinha sido um rapaz que passou num concurso público, casou-se e mudou para o Nordeste.
Aluguei o quarto por um mês e fui. Deixei marido, filha, mãe, cachorra e fui curtir Cabo Frio.
Jacy continuava linda. A casa um show, estilo colonial, cômodos enormes e arejados, varandão com cadeiras e uma ergométrica onde Jacy se exercitava todos os dias. No Varandão também morava a Prisci, uma cadela vira lata que era triste, não sabia brincar. Jacy me contou que a Prisci foi a única sobrevivente de uma verdadeira chacina: O dono matou a mãe e seis filhotes com facadas na Carótida. A Prisci foi cortada, mas a faca não chegou na artéria e Jacy foi buscá-la (não perguntei onde) e a levou para o Hospital Veterinário onde a filhote ficou um mês e depois a adotou. Que história triste...
Que motivos tinha a Prisci para brincar? Aceitava bem carinho, mas se eu tocasse o pescoço sentia a cicatriz e ela ficava dura de medo. Coitada, ainda bem que tinha a Jacy.
Com o passar dos dias fui sabendo mais da vida de Jacy. Ela era diabética e tinha artrite reumatóide. Tratava a diabetes e a artrite estava estacionada, o médico prescrevera um clima quente e Jacy atribuía a melhora ao clima e à Fé.
As mãos estavam deformadas e Jacy só bebia água em casa e usava um copo por dia, cobrindo com um pires, então ficavam três ou quatro para a Faxineira lavar duas vezes por semana. Não bebia refrigerante diet por não conseguir abrir a garrafa e não lavava os copos porque os quebraria .Claro que entramos no refrigerante Zero e eu lavava a louça.
O quarto alugado não era para renda e sim para companhia, embora a renda não fosse tão alta dava e sobrava para uma boa colônia, um cinema, alguma roupa (em Cabo Frio se usa muito pouca por causa do calor) o veterinário da Prisci, almoçar fora com amigas duas vezes por semana. Do que mais ela poderia precisar? Palavras dela. E que alegria!!! Um ser reluzente.
Sim, ela tinha precisado de mais dinheiro do que dispunha. Algum tempo antes precisara tratar os dentes e pintar a casa. Tudo muito caro e então ela pensou: Não tenho ninguém para deixar essa casa, minha mãe e meu irmão já se foram e meu pai nos abandonou cedo, meu padrasto também já se foi. Vou oferecer um acordo ao Carlos,o último inquilino, ele paga meu tratamento dentário, a pintura da casa e me dá um salário mínimo por mês e a casa é dele. O Carlos concordou meio arisco, era um negócio de pai para filho. E assim foi. Jacy fez o testamento e ficou felicíssima.
Da minha estadia com ela posso dizer que foi muito feliz. Eu ia ao mercado uma vez e ela outra. Entrei na dieta dela e comíamos pão integral com queijo branco e geléia diet e café com leite desnatado. No almoço pedíamos uma ”quentinha” muito boa ou íamos comer na “Branca”(restaurante tradicional de Cabo Frio) ou ainda numa churrascaria ótima. Também íamos à praia comer mariscos, camarão ou peixe. Frutas nunca comi tantas (preguiça),uma branca, uma roxa, uma amarela e uma verde. Se eu dissesse não a Jacy cortava metade e me entregava. Não escapei dia nenhum.
Histórias ela contou muitas, mas vou me ater a duas.

O Cigarro

 Jacy me perguntou por quê eu fumava e como eu havia começado. Contei que foi na escola (de Freiras)... Fumamos para experimentar, algumas continuaram fumando outras tiveram mais juízo, naquela época fumar era charme e minha mãe quando me viu fumando disse que cigarro fazia mal, mas que se eu quisesse fumar que não fosse escondido. Acho que não parei naquela hora de raiva.
A história de Jacy com o cigarro foi outra. Ela me disse que se a mãe tivesse dito que cigarro fazia mal ela não fumaria. O caso foi que a mãe disse que fumar era coisa de prostituta. Ela e a melhor amiga não sabiam o que era uma prostituta. Meninas pobres de roça só sabiam que as prostitutas moravam numa casa linda e se vestiam muito bem, que na casa delas chegavam compras e namorados. Então já que nada disso elas tinham... Poderiam pelo menos fumar. Chorei de rir...


O Psiquiatra

Jacy antes dos trinta foi secretária na Prefeitura do Planalto. Lá conheceu seu ex e falecido marido, ou melhor, foram morar juntos, já que ele era desquitado e desquitados não podiam casar. Era um joalheiro muito mais velho e com boas posses.
Jacy apaixonou-se, ele era “O Cara”. Divertido, engraçado mesmo, fazia todo mundo rir. Elegante, simpático, bonito, enfim, tudo o que uma mulher quer e apaixonado por ela... Só podia dar “casamento”.
A filha dele saiu do Internato e Jacy cuidou de menina a mulher. Antes da menina se tornar independente Jacy ficou com o marido, que na verdade, ao que parecia só queria exibi-la. Todas as semanas iam a festas e o casal saía após ser fotografado.
Nunca uma dança, nunca um coquetel. Só a foto para a coluna social. Ele precisava vender as jóias, compreende-se.
Um ciúme doentio. Colocava detetives para seguí-la,brigava, ameaçava se ela falasse em separação.
A última cartada dele  foi marcar uma consulta para ela num psiquiatra alegando que ela era louca.
Jacy foi com tanta raiva que tentou e concretizou uma vingança torpe. O médico disse "boa tarde senhora, por favor deite-se ali". Ela respondeu: "Deito só se o Sr deitar comigo"... E o médico deitou em todas as consultas até a separação que não demorou muito.
Quem discute com um psiquiatra? Que idéia... Eu nunca teria. Muitas gargalhadas.

 Não paguei pela estadia nem nunca mais pagaria. Ela também me amou.


... Jacy... Que pena você ter ido embora. Sinto muita saudade da sua sabedoria e do seu riso. Quem sabe quando for a minha hora a gente ainda possa se ver...


2 comentários:

  1. Vitoria, escrever bem deve ser prerrogativa dos Pompeu. Assim como os de Regina, seu texto é muito bom, gostoso de ler. Adorei!!
    Aguardo ansiosa pelas próximas histórias ou estórias.

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    1. Obrigada Querida Cláudia.

      Quem é que pode não chorar de emoção com um elogio tão gostoso? Não somos Veríssimos, mas somos Pompeu. Não sei se todas escrevem, mas garanto que somos todas teimosas prá burro (como diriam nossos pais) e que se queremos alguma coisa lutamos para acontecer.
      Beijo no seu coração.

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