domingo, 19 de fevereiro de 2012

DE REPENTE 60 (ou 2x30)-por Regina Pompeu



Ao completar sessenta anos, lembrei-me do filme “De repente 30”, em que a adolescente, em seu aniversário, ansiosa por chegar logo à idade adulta, formula um desejo e se vê repentinamente com trinta anos, sem saber o que aconteceu nesse intervalo.
Meu sentimento é semelhante ao dela: perplexidade.
Pergunto a mim mesma: onde foram parar todos esses anos?
Ainda sou aquela menina assustada que entrou pela primeira vez na escola, aquela filha desesperada pela perda precoce da mãe; ainda sou aquela professorinha ingênua que enfrentou sua primeira turma, aquela virgem sonhadora que entrou na igreja, vestida de branco, para um casamento que durou tão pouco!Ainda sou aquela mãe aflita com a primeira febre do filho, hoje com mais de trinta anos e que, ao se casar, me presenteou com uma filha.
Acho que é por isso que engordei, para caber tanta gente, é preciso espaço!
Passei batido pela tal crise dos trinta, pois estava ocupada demais lutando pela sobrevivência.
Os quarenta foram festejados com um baile, enquanto eu ansiava pela aposentadoria na carreira do magistério, que aconteceu quatro anos depois.
Os cinquenta me encontraram construindo uma nova vida, numa nova cidade, num novo posto de trabalho.
Agora, aos sessenta, me pergunto onde está a velhinha que eu esperava ser nesta idade e onde se escondeu a jovem que me olhava do espelho todas as manhãs.
Tive o privilégio de viver uma época de profundas e rápidas transformações em todas as áreas: de Elvis Presley e Sinatra a Michael Jackson, de Beatles e Rolling Stones a Madonna, de Chico e Caetano a Cazuza e Ana Carolina; dos anos de chumbo da ditadura militar às passeatas pelas diretas, do empeachment do presidente a um novo país misto de decepções e esperanças; da invenção da pílula e liberação sexual ao bebê de proveta e o pesadelo da AIDS. Testemunhei a conquista dos cinco títulos mundiais do futebol brasileiro (e alguns vexames históricos).
Nasci no ano em que a televisão chegou ao Brasil, mas minha família só conseguiu comprar um aparelho usado dez anos depois e, em sua tela (cada vez maior e mais colorida), vi a chegada do homem à lua, a queda do muro de Berlim e algumas guerras modernas. Chorei copiosamente em intermináveis novelas e também com tristes notícias da vida real.
Convivi com tantas moedas, do Cruzeiro ao Real, que até perdi a conta.
Passei por três reformas ortográficas e tive de aprender a nova linguagem do computador e da internet. Aprendi tanto que foi por meio desta que conheci, aos cinquenta e dois anos, meu companheiro, com quem tenho, desde então, compartilhado as aventuras do viver.
Não me sinto diferente do que era há alguns anos, continuo tendo sonhos, projetos, faço  caminhadas matinais com meu cachorro Kaká, pratico ioga, me alimento e durmo bem (apesar das constantes visitas noturnas ao banheiro), gosto de cinema, música, leio muito, viajo para os lugares que um dia sonhei conhecer; já fiz aulas de dança de salão, teclado, inglês e agora me matriculei num curso de desenho.
Por dois anos não exerci qualquer atividade profissional, mas voltei a orientar trabalhos acadêmicos e a ministrar algumas disciplinas em turmas de pós-graduação, o que me fez rejuvenescer em contato com os alunos, que têm se beneficiado de minha experiência e com quem tenho aprendido muito mais que ensinado.
Só agora comecei a precisar de óculos para perto (para longe eu uso há muitos anos) e não tinjo os cabelos, pois os brancos são tão poucos que nem se percebe (privilégio que herdei de meu pai, que só começou a ficar grisalho após os setenta anos).
Há marcas do tempo, claro, e não somente rugas e os quilos a mais, mas também cicatrizes, testemunhas de algumas aprendizagens: a do apêndice me traz recordações do aniversário de nove anos passado no hospital; a da cesárea marca minha iniciação como mãe e a mais recente, do câncer de mama (felizmente curado), me lembra diariamente que a vida nos traz surpresas nem sempre agradáveis e que não tenho tempo a perder. Mas elas não machucam tanto quanto a dor  provocada pela ausência daqueles que já saíram de cena do palco da vida. O vazio que deixaram jamais será preenchido.
A capacidade de fazer várias coisas ao mesmo tempo diminuiu, lembro de coisas que aconteceram há mais de cinquenta anos e esqueço as panelas no fogo.
Aliás, a memória (ou sua falta) merece um capítulo à parte: constantemente procuro determinada palavra ou quero lembrar o nome de alguém e começa a brincadeira de esconde-esconde. Tento fórmulas mnemônicas, recito o alfabeto mentalmente e nada! De repente, quando a conversa mudou de rumo ou o interlocutor já se foi, eis que surge o nome ou palavra, como que zombando de mim...
Mas, do que é que eu estava falando mesmo?
Ah, sim, dos meus sessenta.
Claro que existem vantagens: pagar meia-entrada (idosos, crianças e estudantes têm essa prerrogativa, talvez por não serem considerados pessoas inteiras), atendimento prioritário em filas exclusivas, sentar sem culpa nos bancos reservados do metrô, estacionar o carro nas melhores vagas e a TPM passou a significar “Tranquilidade Pós-Menopausa”.
Certamente o saldo é positivo, com muitas dúvidas e apenas uma certeza: tenho mais passado que futuro e vivo o presente intensamente, em minha nova condição de mulher muito sex...agenária!

                                                  Regina Pompeu – Inverno/2011







2 comentários:

  1. Segunda vez que leio este texto seu, e pela segunda vez fico encantada. Seu ritmo é (deve ser) como sua vida...e embora nos meus 61 anos de vida parecida (com alegrias, tristezas etc etc)ela consegue surpreender com frases e expressões "espertas" como "palavras zombando de mim" ou "onde está a velhinha que eu esperava ser nesta idade ou onde se escondeu a jovem"...parece que mais do que não sermos consideradas pessoas inteiras estamos numa idade sem nome...talvez na prévelhice...Abraços(sou amiga da Cláudia Gazzoli, quem indicou seu blog!)

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  2. REGINA, COMO É BOM A GENTE SE LOCALIZAR ATRAVÉS DO OLHAR DE UMA OUTRA PESSOA, COM A PERSPICÁCIA E SERENIDADE QUE VOCÊ TEM!
    PANELAS FERRADAS, NOMES, É COM,A, COM B..E AÍ TAMBÉM VAI O ALFABETO...
    MAS O BOM MESMO É AINDA TER A CONSCIÊNCIA QUE, DE ALGUMA FORMA "NOUS AVONS FAIT LA RÉSISTANCE".

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