Mais um ano...
Ela, e seu perambular ansioso, perdida pelos corredores
apinhados da loja de departamentos. Lista na mão. Charada na cabeça: O quê? Para quem? Déjà vu
do dezembro passado, logo ali, bem ontem! Não,
camisa eu já dei. Um livro, talvez.
Será que este vestido vai servir? Quem
sabe, aquele sapato?! Não, pra este, melhor comprar no shopping. Pra aquela,
tem de ser na Feirinha. O brinquedinho da moda... e se ele já tiver? A lenga-lenga
mental mixada com o som ambiente: replay de Jingle Bells em harpa paraguaia.
Ela, e sua companhia infalível e indesejada: a velha
frustração pela promessa, mais uma vez, descumprida. Ano após ano: Para o Natal que veeem, não vou comprar
presente pra ninguééém! E aí?! Vai ou não vai debandar da manada? Como era
mesmo aquele papo de escapar-da-feitiçaria-criada-a-serviço-de-escusos-interesses-comerciais?!
A resposta vem irônica, ali mesmo, no “espontâneo” Hou-hou-hou de um Papai Noel suado, importado, de saco cheio.
Ela, e seu insistente monólogo interior a justificar a falta
de coragem: Como não presentear as
criancinhas da família? Tadinhos! (mesmo com suas prateleirinhas entulhadinhas
de brinquedinhos!). Como não presentear
pai e mãe? Velhinhos! Como não presentear marido e filhos? Amadinhos! E genro?
E nora? E sogra? E madrinha? E amigos? E empregados? E porteiros? Tudo gente
tão boa! Ah, e ainda tem o amigo secreto!
Ela, e sua estranha alegria proporcionada pela compra dos
presentes: o alívio de riscar cada nome da lista. Ufah! Um a menos pra pensar.
Saudável isso?! À sua volta, o eco das inúmeras vozes na multidão: Comigo também é assim... Comigo também é
assim... Comigo também... É assim... Sim... Todo mundo condicionado, a se deixar capturar pela mesma armadilha: quanto
mais compra, melhor se sente.
Ela, e seu sofá do escritório, se enchendo de caixas,
sacolas, pacotes, papel de presente, fitilhos, etiquetas De_Para_, cartões de
Boas Festas, tudo classificado em lotes, conforme os grupos destinatários:
noite de Natal / almoço de Natal / viagem / Correio / Ano Novo / outra
viagem... Pronto! Acho que já está tudo
aí. Nãão! Faltou a cabeleireira e a manicure!! E o cadeirante do sinaleiro em
frente!! E o calendário Seicho-No-Ie pros meus irmãos!! Isso tem de acabar!
Ela, e sua enorme satisfação em presentear cada um dos muitos
entes queridos. Mas não assim, todos ao mesmo tempo, e com data pré-estipulada.
O reconhecimento da obrigação “auto-imposta”, insidiosamente chipada pela
mídia. A consciência desta escravidão é antiga. Mesmo assim, todo ano ela faz tudo sempre igual...
Sempre angustiada em fazer; agora angustiada em ousar não fazer.
Ela, e sua velha lida, na preocupação com o julgamento do
"Zotros", a lhe criar internamente suposições nada agradáveis: Minha filha não vai se conformar:
"Nossa, mãe!! E eu que pensei que você nos dava os presentinhos com tanto
gosto!!". Meus netinhos: "Cê não vai me dar nada nesse Natal,
vó?!". "Olha, não pense que me esqueci da senhora, minha sogra. É
que, neste ano, resolvi não dar presente pra ninguém.". Como não se
importar com possíveis reações e rumores de censura? Como enfrentar o medo de
que o presente ausente seja tomado
por falta de amor?
Ela, e sua constante indagação sobre o porquê de existir
tamanho mercantilismo, todo em função de uma festa de aniversário, na qual rarissimamente se menciona o nome do aniversariante. Não há Cristo que
aguente ver nossas crianças apontarem quem é a celebridade mais ilustre do
Natal... Ela, que nem cristã é, querendo que Ele volte, na esperança de ver se
evaporar metade do comércio global, com a expulsão dos “vendilhões
natalinos”...
Ela... Diante de todo esse desconforto, terá finalmente
se convencido de que é chegado o tempo da “auto-alforria”?
Como conseguirá? Por insurreição da “auto-escravizada”? Por concessão da “auto-escravizadora”?
Ou por simples decisão? Simples? Independente da compreensão ou anuência de
seja lá quem for? Que efeito terá essa mudança em sua vida?
Será que ela já sente à sua dianteira a garantia de uma
força libertadora: "Venha, que nós lhe daremos apoio."?
Será que ela já percebe ao seu lado a cumplicidade:
“Bem-vinda! Mais uma a escapar!”? Será que ela antevê a importância deste
passo: "Se você for, nós vamos também!"?
Curitiba, Primavera
de 2013
MARIA, QUADO COMECEI A LER O PRESENTE AUSENTE ACHEI QUE JÁ TE CONHECIA DE OUTROS TEXTO. LEMBREI-ME DE RITA FIGUEIREDO E FUI VERIFICAR: NÃO , ERA MARIA, MAIS UMA VOZ DESMEDIDA E CORAJOSA A POVOAR ESTE REDUTO ABENÇOADO DE AS NOVAS SESSENTONAS. NA VERDADE, AMIGA, "MUDARIA A NATAL OU MUDEI EU", CONFORME REFLETIU CECÍLIA.DEPOIS DO TEU TEXTO CHEGO A UMA CONCLUSÃO: OU ACABO COM ESTE TIPO DE NATAL OU ESTE TIPO DE NATAL ACABA COMIGO.
ResponderExcluirENTÃO, MARIA, DO ALTO DA MINHA INCOERÊNCIA OUSO DESEJAR
FELIZ NATAL!!
CORRIGINDO: DE OUTROS TEXTOS
ResponderExcluirMUDARIA O NATAL OU MUDEI EU - É DE MACHADO DE ASSIS - FALHA NOSSA
ResponderExcluirRITA FIGUEIREDO, AI SE EU TE PEGO...!!!!
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