quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Crônica premiada: UMA SENHORA ATLETA por Rita Figueiredo



Há alguns meses, incentivada pela querida amiga Regina Pompeu, escrevi a crônica intitulada “Uma Senhora Atleta”, em que relato minha trajetória como nadadora.
(Assinei com o pseudônimo “Maria Soares” - parte de meu próprio nome.)

Com este texto, me inscrevi no concurso cultural denominado Prêmio Longevidade Histórias de Vida Bradesco Seguros, destinado a receber histórias de pessoas com mais de 60 anos, e que contou com participantes do Brasil inteiro.

No último dia 15/10, aconteceu em São Paulo o evento de nível internacional chamado VIII Fórum da Longevidade Bradesco Seguros, durante o qual seria efetuada a premiação do referido concurso.
Em plenas vésperas do lançamento do livro As Novas Sessentonas aqui em Curitiba, lá fomos nós, eu e meu marido, já sabendo que havia sido classificada entre os três finalistas.

E eis que, chegada a hora de anunciarem os resultados, tive a grata surpresa de me ver contemplada com o troféu de Primeiro Lugar!

Prazer em compartilhar:

UMA SENHORA ATLETA

- Pai! O treinador do clube me convidou pra fazer parte da equipe de natação. Ele disse que eu levo jeito. 'Cê deixa?
- Vê lá! Nem pensar! Aí, vêm competições, viagens... Não, não. Você é muito menina pra isso!
Ela não se achava menina. Afinal, já tinha 16 anos! Ah... como iria gostar de treinar com a turma! Mas não insistiu. O pai severo não admitia insistência.

- Mãe!! Vim aqui só pra mostrar! O troféu de 1º lugar e a medalha de prata que ganhei no festival da academia.
- Nossa! Deixa eu ver! Quem diria?! Você, nessa idade!
Exultante, agora sim, ela se sentia menina... Aos 43 anos! Por três deles realizando o antigo sonho de praticar natação. Recomendação médica, devido a um problema no joelho. A Vida dera um jeito. Insistiu por ela.

- Professor, soube que vai haver uma competição estadual. O que você acha de eu me inscrever?
- Olha só, o fato de você ter vencido aqui umas provinhas de 25m, não quer dizer que... Bem, melhor eu alertar: o Paranaense de Master é um campeonato grande. E lá só tem fera!
A menina se encolheu diante daquele "estímulo". Já desistira da idéia, quando outro treinador veio encorajá-la a participar, nem que fosse apenas para se autoavaliar.
Na segunda-feira após o evento, quem voltou à academia foi ela mesma, a menina, desta vez matreira... Chegou à piscina simulando um ar desanimado, cabeça baixa... O professor veio ao seu encontro:
 - E aí? Como foi lá?
- É... Bem que você disse. Campeonato forte pra chuchu!
- Fiz isso pro seu bem. Sabe, o aluno tem que cair na real, não se iludir com seu desempenho, devido a um mero...
- Resultado: lá só tinha fera mesmo. Pois agora, você está falando com uma!!
E fez tilintar, diante da face ruborizada do pobre professor, as quatro medalhas de ouro que ocultara nas mãos.

- Alô, filha! Estou num orelhão do clube, aqui em Salvador. Sou campeã brasileira na prova de 800m nado livre!
- Ai mãe, que emoção! Alô...
Apenas choraram juntas. Não dava pra ouvir direito. A Associação Atlética da Bahia lotada, barulhenta. Quase mil nadadores participando do Campeonato Brasileiro de Masters de Natação - 1990, o primeiro da fera, ainda incrédula com aquele seu lugar no pódio.

A senhora precisou treinar muito, participar de inúmeras competições, antes de consolidar sua autoconfiança e finalmente amadurecer como atleta. Se é que se pode chamar de "madura" aquela doida que, compulsiva e animadamente, passou a nadar 3.000m por dia, de segunda a sábado. Inscrevia-se em todo e qualquer evento que aparecesse! 14 campeonatos num único ano! Desde pequenos interclubes até grandes internacionais. Vencia a maioria das provas.
Motivada, liderou a formação da Equipe Master da academia. Criou o "Grito de Paz" que fazia ferver os campeonatos. Inventou a "Tia Masteroca", personagem que se apresentava caracterizada de "perua-nadadora" nos acontecimentos esportivos e de lazer, e que noticiava no mural as fofocas sobre nadadores locais. Escreveu crônica relatando sua experiência atlética. Ministrou palestras sobre a importância de se praticar esporte na maturidade. Deu até entrevista à TV local. Família e amigos admirados com sua versatilidade em conciliar a esportista, a dona de casa e a profissional.
É claro que também lhe surgiram desafios, como parte do treinamento, de vida... Em 1997, enfrentou as agruras da terrível síndrome do pânico que a acometeu durante meses. Só a senhora atleta sabe o quanto lhe valeram as endorfinas estimuladas pela natação, e o "colinho" oferecido diariamente pelo elemento água... Autossuperação, grande aprendizagem da qual saiu ainda mais fortalecida. Mais fera!

Aos 53 anos - Campeonato Paranaense:
- Viu o que a "senhora" fez na prova de 800m nado livre?
- Ganhei.
- Que mais?
- Fui desclassificada?!
- Não. Vem comigo.
A amiga e coordenadora do evento levou-a pela mão até o local em que se afixavam os resultados:
- O que está escrito aqui, bem na frente de seu nome?
- "RB" e "RSA".
- Significando?
- Record Brasileiro e Record Sul-Americano. Ah vá?!

Mas, foi em 2003 que dois importantes acontecimentos lhe proporcionaram viver a plenitude da maturidade, como senhora e como atleta: em março, a imensa alegria de ver estender-se a linhagem feminina de sua família, com o nascimento da primeira neta; em setembro, a surpresa de ser homenageada pela Federação Paranaense com nome de campeonato: "Troféu Rita Figueiredo"!

Hoje, aos 67 anos, ela ainda prossegue firme nos treinos, com o mesmo entusiasmo. Apenas diminuiu sua participação em campeonatos. Só se inscreve quando são sediados na cidade onde mora (as equipes não se organizam mais como antigamente). Continua fera, vencendo tudo e batendo recordes. Por insistência dos filhos, mandou fazer um quadro para expor troféus e medalhas. Mais de 400! O diretor da academia costuma chamá-la de "agente de recrutamento", tamanho o estímulo e o exemplo que ela adora oferecer, sobretudo aos principiantes maduros que acreditam ter começado tarde demais; e aos mais preparados que, por falta de autoconfiança, ainda morrem de medo de competir.
No decorrer de toda esta trajetória, a senhora atleta é seguida de perto por um fã incondicional – seu pai! A antiga severidade transmutada em admiração. Não fossem as limitações causadas pelo peso dos 91 anos, ele ainda estaria fazendo questão de apresentá-la:
- Esta é minha 'menina' mais velha. Atual campeã de natação! E sabem quantos anos ela tem?!

Maria Soares
Curitiba, Inverno de 2013
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2 comentários:

  1. MINHA QUERIDA AMIGA, MINHA ATLETA DE TANTOS ALTOS, MORTAIS QUEM SABE, FICO MUITO ORGULHOSA DE SER AMIGA DE UMA BRUXA TÃO APARELHADA COMO VOCÊ. NESTE TEU CALDEIRÃO, AS IDEIAS E AS PALAVRAS VIRAM POÇÃO MÁGICA PARA NÓS OUTRAS POBRES MORTAIS. PARABÉNS PELO PRIMEIRO LUGAR, NO CONCURSO E, MAIS QUE ISSO, NAS ANDANÇAS DESTA ESTRADA/PONTE QUE CONSTRUÍSTE, SABE DEUS COM QUE CASCALHOS EMPURRADOS.

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