sábado, 17 de outubro de 2020

DE VENTO EM VENTO

DE VENTO EM VENTO

 

Era uma vez... 

Uma linda cidade litorânea.

Suas praias eram magníficas; sua vegetação, pujante; as paisagens, de tirar o fôlego.

Uma geografia surpreendente, onde a montanha parecia mergulhar na areia e a floresta se misturava com o mar.

A localização privilegiada facilitava a prática de esportes radicais, como asa delta, parapente, surfe e skate.

Era, também, um lugar de repouso e tranquilidade para os idosos, e perfeito para curtir as férias.

No entanto, como no resto do mundo, as pessoas não respeitavam o meio ambiente.

Jogavam lixo no mar, derrubavam as árvores centenárias, sujavam os rios.

As tartarugas morriam asfixiadas pelos sacos plásticos, os peixes eram envenenados pela poluição da água, animais eram extintos pela caça predatória.

Tanto fizeram que provocaram a ira dos deuses. Estes, em reunião extraordinária, incumbiram Éolo, o Deus dos Ventos, de proceder à merecida punição.

E, repentinamente, sem que ninguém estivesse preparado, começou a soprar o temido vento noroeste.

Veio destruindo tudo, casas, cercas, muros, quiosques.

As árvores se dobravam e as folhas dos coqueiros saíam em voo rasante.

Era perigoso sair às ruas.

O céu escureceu, o dia virou noite.

 Em sua esteira veio também um ser invisível, que fazia as pessoas adoecerem.

Era altamente contagioso e rapidamente a doença se espalhou.

Sem medicamento eficaz nem vacina, as pessoas precisavam ficar em casa para se protegerem, principalmente os velhos e os doentes.

A cidade parou. O mundo inteiro parou!

As escolas suspenderam as aulas.

Os avós não podiam mais ver seus netos.

As famílias deixaram de se reunir no almoço de domingo.

Abraços e beijos foram proibidos.

Nada de festas, shows, futebol, casamentos ou celebrações nas igrejas.

Os eventos musicais foram cancelados, cinemas e teatros foram fechados.

O medo tomou conta de todos.

A cidade ficou vazia e triste.

Somente os serviços essenciais eram autorizados a funcionar. Seus funcionários, mesmo com máscara, corriam grande perigo.

Os hospitais ficaram lotados e trabalhadores da saúde, mais expostos à contaminação, adoeceram em massa.

Inúmeras famílias perderam seus entes queridos.

O dinheiro para subsistência começou a faltar.

Os turistas desapareceram.

Eis que então, como num milagre, as águas dos rios e do mar ficaram limpas.

Os golfinhos voltaram a dançar seu balé perto das margens.

Tartarugas, peixes e camarões apareceram novamente.

O ar ficou mais puro. As árvores deram flores e frutos.

Em apenas três meses, a natureza se recuperou.

Depois veio a chuva, que lavou tudo.

As pessoas, então, perceberam o grande mal que faziam, e passaram a respeitar a natureza.

As bicicletas tomaram o lugar dos carros e das motos.

A reciclagem do lixo tornou-se prática comum.

Quase todos passaram a pensar duas vezes antes de efetuar qualquer compra; com isso, reduziu-se o consumismo desenfreado.

A empatia e a solidariedade passaram a pautar as relações sociais. As amizades verdadeiras foram fortalecidas.

O isolamento fez com que as pessoas olhassem mais para si mesmas, buscando novos valores e objetivos e, em consequência, multiplicaram-se os cursos à distância e os grupos de amigos virtuais.

O convívio entre pais e filhos ficou muito mais intenso e os laços familiares recuperaram seu valor.

A alimentação sofreu mudanças porque, com tempo para refletir e tendo que preparar suas próprias refeições, uma grande parcela da população começou a valorizar os alimentos naturais, a descobrir novos sabores... e aí, frutas, legumes e verduras passaram a ocupar lugar de honra nas mesas! O consumo de carnes caiu substancialmente porque as pessoas se deram conta de que os animais também sofrem.

O trabalho remoto cresceu e muitas pessoas deixaram definitivamente de sair de casa para comparecerem fisicamente aos seus empregos.

Como recompensa, por decisão unânime dos deuses, Éolo enviou o vento leste, da resignação e do retorno seguro, o “lestinho”, que recolocou as coisas nos seus devidos lugares, expulsando o ser invisível que tanto dano causara.

Depois de todo o sofrimento, as pessoas aprenderam a lição.

 

...E viveram felizes para sempre!

 

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